VISITANTES

O LOBO (Wilson Macêdo Jr.)



Eram quatro patas na pisada.
Eram crateras vivas que ficavam.
Caminhava por ali sorrateiro.
As folhas se desprendiam. Choviam.

Seu olhar claro vidrou o meu.
Era perigo natural. Era graça.
Inerte e visível ficava ali,
E meu corpo não tinha ação.

O vento balançava o pêlo,
Seu olhar desviava por segundos.
E voltavam fulminantes a mim,
Que lívido o apreciava de perto.

A pelagem era cinzenta.
Parecia assim fria e morta,
Parecia veludo estampado
dos anos que ali passou.

Uivou em sinal secreto,
Não era perceptível aos humanos.
Calou-se e deixou pelo ar o eco,
Que encheu a floresta de som.

Era selvagem, de certeza.
Podia ser mais do que isso.
Na verdade era um encontro.
E chispou dali sem ruído.

SANDÁLIAS (Wilson Macêdo Jr.)




Era a sua mania, não tinha jeito. As lojas chiques de calçado eram o seu alvo preferido. Uma excitação tomava o seu corpo, era como uma febre de procedência desconhecida. Os olhos brilhavam, se iluminavam diante de tanta formosura com saltos ou sem, com todas as cores e modelos diversificados. Ia agir como sempre, com discrição e paciência oriental. Vestia-se de uma forma que não levantasse muitas suspeitas, de uma forma elegante para tornar-se invisível ao olhar dos vendedores. Já era experiente, o seu nervosismo não era medo de ser pega, era a excitação de um novo furto. Se alguém soubesse de toda aquela situação, não ia entender qual era utilidade de furtar uma peça de mostruário. Mas para Goretti tudo tinha um sentido, nada daquilo era em vão. Entrou na loja de forma “blasé”, como uma madame, doida para gastar alguns mil reais em sapatos chiques. Prontamente, uma vendedora excessivamente maquiada veio para lhe atender com um sorriso quase artificial. Goretti mal podia conter a sua ansiedade. Deu uma passeada na vitrine, olhou alguns, e a primeira vítima já tinha sido escolhida. Apontou a belíssima sandália para a vendedora que em um segundo correu para buscar no estoque. Não tinha muito tempo, tudo deveria ser feito sem pensar, por impulso, sua palavra preferida. Já tinha uma certa habilidade em agir. Estando as outras vendedoras muito ocupadas com outros clientes, era chegada a hora de entrar em ação. Encostou-se bem na prateleira, a bolsa já estava aberta e com um movimento digno de olimpíadas, dada a rapidez com que agiu, depositou o pé único dentro da bolsa, e comportou-se como se nada tivesse acontecido. Respirou aliviada. Pronto. Um já tinha ido.
Com uma animação além do habitual, a vendedora desceu as escadas. Goretti provou a sandália. Pena que não tinha dinheiro para comprá-la. Mas não diria isso à vendedora de maneira nenhuma e tão pouco diria que estava cara. Pôs as sandálias nos pés, andou um pouco e disse que não tinha ficado bem em seu pé. Mas mostrou a segunda vítima para a vendedora, novamente a sofredora funcionária subiu as escadas. “Só mais essa”, pensava consigo mesma. Usou a mesma equação: aproximação + funcionárias distraídas + rapidez = um pé de sandália furtado. Se atrasasse mais cinco segundos seria pega pela vendedora que já descia esbaforida as escadas. Calçou um pé rapidamente e sem muita demora disse que também não tinha gostado. Disse que voltaria uma outra hora, estava com pressa. A expressão da vendedora era de um sorriso camuflado de ódio. Que sensação maravilhosa ao sair da loja! Estava com seus troféus dentro da bolsa. Entrou no banheiro do shopping e trancou-se em uma cabine para apreciá-las. Sorriu, deu beijos, abraços e as pôs dentro da bolsa novamente.
Já estava tudo pronto em seu minúsculo apartamento de subúrbio. E como morava mal! Mas era única morada que tinha. Vivia só ali, sem marido, sem filhos, sem animais de estimação. Era a sua festa de aniversário, tinha chamado algumas amigas, iriam beber até o dia amanhecer. Os móveis eram muito velhos, mas as suas amigas não ligavam, afinal de contas não moravam melhor que ela. Entrou no quarto e soltou ali pelo meio do chão os dois pés de sandálias desiguais e sem utilidade nenhuma. Não poderia nunca calçar apenas um pé. Aprontou-se com rapidez e não demorou muito tocaram à porta. Era o seu grupo de amigas. Elas bebiam, davam risadas e estavam realmente curtindo a noite. “Tenho uma coisa para mostrar a vocês!”, disse entusiasmada Goretti. “Comprei duas sandálias maravilhosas essa semana! E custaram o olho da cara! Vou usá-las para o Natal e o Ano Novo.” As amigas a acompanharam até o quarto depararam-se com aqueles dois pés de sandália desiguais, sem contar outros que estavam no mesmo estado. “Eu não sei o que acontece! Eu vivo perdendo um dos pés das sandálias! Mas olhem como é linda! Preciso procurar os outros pés!”. Amigas se admiravam com a beleza das sandálias, e se perguntavam como conseguira comprar calçados tão caros.
Tendo a festa acabado, a exibição das sandálias e as amigas ido embora, Goretti correu até o quarto e calçou aquelas jóias que tinham saído de um mostruário. Eram lindas, mas desiguais, uma não tinha nada a ver com a outra. E desfilou pelo apartamento com elas, dançando e sorrindo. Como era doce o sabor da ilusão e da exibição! Estava extasiada. Deitou-se no sofá ao lado de uma garrafa de vinho barato, abraçada às suas preciosas sandálias inúteis e tão importantes.

VERSOS PARA A LUA (Wilson Macêdo Jr.)



Se tu não estivesses tão longe,
poderia tomar-me de sorte,
e tocar-te mesmo fria que fosses.

Do teu pó e do teu chão branco,
formam-se meus sonhos negros,
Minhas quietudes em chama.

Tu nasces e morres em cada noite,
Em cada despetalado verso na rua,
Ficas por aí que admiro-te daqui,

Lua.
Lua.
Lua.

Foges quando na madrugada abro os olhos.
Se chovessem lágrimas, por assim dizer,
seria chuva minha, do que resta da noite.

E quando torna-te eclipse do paradoxo,
Minh'alma desliza pelos cantos atordoada,
E os sonhos vêm buscar o meu despertar.

E nas clareiras que cobrem minha janela,
O teu brilho embriaga as coisas daqui.
Estendo a mão. Nada acontece.

Apenas chuva na rua.
Teu brilho na chuva.
Tua chuva de luz.

A TEZ DO MAR (Wilson Macêdo Jr.)


Sinto o hálito quente da desesperança.
Nas brumas que habitam a verdade,
Corro ao som de meu grito sem liberdade,
E todo segundo despedaça-me como lança.

O que era toque de sutil reciprocidade,
Torna frio o cálice que derrama sangue,
Esparrama os anos perdidos em mangue,
E escapa-me a famigerada claridade.

Soturno como de Saturno os anéis,
Estou envolto à minha própria arte.
Vivo exilado como se aqui fosse Marte.

Agora é tão tarde para dúvidas cruéis,
É melhor precipitar-me de uma vez,
É melhor imergir e tornar-se do mar a tez.

CARTÃO DE NATAL




Posso até ser suspeito para falar, mas não posso deixar de reconhecer a qualidade da Revista Verde & Amarelo. Quando recebi o convite para escrever uma página sobre cinema brasileiro, não pensei duas vezes. O nosso cinema precisa de uma boa dose de incentivo e prestígio para que cresça cada vez mais. A revista com circulação em Portugal traz aos brasileiros, e por que não dizer também aos portugueses, um pedacinho do Brasil. É mais uma forma de estar em contato com o nosso país. Que nesse novo ano que irá se iniciar, tudo que é a essência desse veículo de comunicação torne-se cada vez melhor. Parabéns a Norio Egashira, a Nara Macêdo, e aos demais colegas colaboradores. Um Feliz Natal para todos os leitores da revista e um Feliz Ano Novo!

SONETO DO PESCADOR (Wilson Macêdo Jr.)




Ponho o barco no friorento mar.
Debate-se ele em ansiedade ,
Quer ir além da terrena realidade,
Onde o sol possa firme lhe tocar.

Lugar de gente como eu é aqui.
Onde a desilusão fica pra trás,
A minha morada aqui se faz,
E lembra-me que uma dia parti.

Mas não há solução tão fácil.
Tenho braços a minha espera,
e são braços de toque frágil.

Ficar para sempre quem me dera!
Mas pensando bem, preciso voltar ágil.
Sem afagos terrenos, minha alma se quebra.

FELICIDADE (Wilson Macêdo Jr.)




Felicidade é ver um pássaro
e seu pouso quase rasteiro.
É tocar a terra e sentir a fria
pegada de um bicho forasteiro.

Felicidade é ver sorrir uma criança,
É vê-la andar pela primeira vez,
É ouvi-la falar o que nem entende,
É viver o que ainda não é esperança.

Como enche-me a manhã de sol!
Como é leve navegar em baixa maré!
Ser tocado por uma borboleta no
jardim onde deixei-me padecer!

Felicidade é renascer depois de amar-te.
É distanciar-me das pelejas infinitas,
É confraternizar com tuas angústias,
E dar-te ombro quando te resvalas.

Se fosse pássaro voaria para uma terra,
onde os mitos se encontram e uma luz
explode toda a verdade do mundo vil.
Seria pássaro de vôo alto e ao infinito.

Felicidade minha é a tua.
Felicidade tua? Não sei o que é.
Sou bicho alado e sem garras,
Vou por aí. Olha para o céu! Podes me ver?

NOS CINEMAS (Jornal Tribuna Feirense - 10/12/08)


FATAL
Por Wilson Macêdo Jr.


A diretora Isabel Poixet trata de relacionamento, velhice, traição e inseguranças em um só filme. No papel de um professor universitário, Ben Kingsley esbanja emoção. Quando David Kepesh (Kingsley) se apaixona por sua aluna Consuela (Penélope Cruz), toda a sua antiga segurança sexual vai abaixo. Com um histórico de um casamento que falhou, e seguidos relacionamentos passageiros e sem importância, ele entrega-se à paixão e sente o sabor da insegurança. Torna-se reticente quando recebe o convite de Consuela para conhecer sua família, e chega a duvidar de sua fidelidade no relacionamento pelo fato de se perceber velho, já que mais de trinta anos separam a sua idade de sua aluna. A única coisa que parece fora de sintonia é o relacionamento pai e filho, embora o que os une novamente seja um caso que o filho está tendo extra-conjugal, o que torna o conflito interessante mas mal trabalhado e não soa muito bem. Nota-se a suavidade da diretora que trata de todos esses assuntos com leveza e belíssimos diálogos. E Bem Kingsley dá um show de interpretação e nos passa uma emoção verdadeira.

NOTA: 7,5

Nome: FATAL
Direção: Isabel Poixet
Elenco: Ben Kingsley, Penélope Cruz, Patrícia Clarkson, Michelle Harrison
Gênero: Drama
Duração: 108 min.











NOS CINEMAS (Jornal Tribuna Feirense - 10/12/08)


OS ESTRANHOS
Por Wilson Macêdo Jr.

Hollywood realmente está perdendo a criatividade. Quando não se tem mais história para contar, vale apelar para sustos fáceis e uma trama inexistente. No início o filme dá a impressão que vai correr tudo bem, com cenas que realmente assustam, mas poucos minutos depois, há uma mistura de Sexta-Feira 13 (assassinos mascarados) com Floresta do Mal (família com personagens bizarros). Depois de retornarem de uma festa de casamento, o casal Kristen e James (Liv Tyler e Scott Speedman) resolvem voltar para uma casa de férias. Inexplicavelmente, misteriosos personagens (pai, mãe e filha mascarados), batidas na porta e barulhos que lá para o meio do filme começam a cansar, compõem esse fio de trama que se torna um cansativo jogo de gato e rato. Não é apresentado o motivo da perseguição, a família de assassinos entra como sai, sem quê nem pra quê. Liv Tyler interpreta com a profundidade de uma colher de chá, merecia mais pela atriz que é. Para quem gosta de sustos fáceis e uma história sem pé nem cabeça, pode ser um bom programa para domingo à noite. Não é um filme para ser lembrado e os comentários não passarão da porta do cinema.

NOTA: 4

Nome: OS ESTRANHOS
Direção: Bryan Bertino
Elenco: Liv Tyler, Scott Speedman, Sterling Beaumon, Glen Howerton, Laura Margolis, Gemma Ward, Kip Weeks
Gênero: Terror
Duração: 90 min.

NOS CINEMAS (Jornal Tribuna Feirense - 10/12/08)


ROMANCE
Por Wilson Macêdo Jr.

Em seus trabalhos como diretor na televisão (Rede Globo), Guel Arraes mostra que tem uma boa mão para comédia, a exemplo de O Auto da Compadecida, TV Pirata e Armação Ilimitada. Sem falar em seus trabalhos como produtor e roteirista no mesmo veículo de comunicação. Mas na hora de ir para a telona com um romance propriamente dito, algo ficou faltando. Não que Romance não seja um bom filme, mas é apenas politicamente correto. O espectador não irá dizer que o filme não é digno do diretor em questão, mas por levar o nome de Arraes, fica esperando um algo mais. Quando o diretor e ator de teatro (Wagner Moura) se apaixona pela bela atriz de grande sucesso na televisão (Letícia Sabatella), uma batalha metafórica sobre a guerra entre a televisão e o teatro abre espaço para discussões. O elenco conta com o grande astro do momento Wagner Moura, a belíssima (como sempre) Letícia Sabatella, o hilário José Wilker dentre outros grandes nomes, e produção de Paula Lavigne. Vale à pena assistir Romance e ficar esperando por mais um trabalho de Guel Arraes, que sempre é garantia de bom entretenimento seja na telinha ou na telona.

NOTA: 7,5

Nome: ROMANCE
Elenco: Wagner Moura, Letícia Sabatella, Andréia Beltrão, Vladimir Brichta, José Wilker, Marco Nanini
Direção: Guel Arraes
Gênero: Romance
Duração: 100 min.

MOÇA NA NEBLINA (Wilson Macêdo Jr.)



Eu vi a moça andando.
E o seu andar era mais
que passeio melancólico.
Era a arte de desviar-se
dos dilemas em solilóquio.

E a aura que lhe desvendava
as coisas secretas, gritava por
socorro. Com cores fortes e
vivas em tom de amor. Pé ante
pé, segue sem esquecer-se do chão.

As colinas que lhe faziam fundo,
traziam ares de rispidez, e
estampavam o seu fino rosto
já cansado de saltos convidativos
entre o lembrar e o querer apagar.

A moça que eu vi caminhando,
Corria os olhos pelo infinito.
O que miravam era fiel segredo
seguro em sua mente desligada.
Ela não percebia por onde andava.

Os pés descalços e a alma desnuda,
cobriam o ar de naturalidade e vida.
Era ela a moça do passar diário,
Dos enigmas mitológicos nos tempos
dos desafios modernos e pálidos.

Flutuava no frio que lhe tomava
a pálida face. Um anjo não teria
tamanha beleza nem em milhões
de anos. Os braços levitavam e
pareciam tocar a densa neblina cortante.

E as folhas que lhe tocavam as
solas dos pés, choravam em ruído
pela sua dor, compadeciam-se e
outras tantas caíam do topo seco
ainda firme e coberto de gelo.

O mistério habitava aquele semblante.
Os espíritos da mata fechada
reverenciavam o seu passar em forma
de cânticos de pássaros em alvorada,
cânticos exclusivos de compaixão.

Então ouvi a moça que agora cantarolava,
pela sua boca deslizavam notas puras e
doces como de um grupo de sereias do
inevitável inverno. Assaltou-me o encanto,
e havia um quê de lamuriento cântico.

E os vestígios que deixava na trilha,
O próximo vento cuidaria de apagar.
Seu perfume, o eco de sua voz em dor,
Os sutis barulhos ao caminhar,
Tudo seria dali levado e esquecido.

Eu vi naquela manhã a moça caminhar.
E a cada segundo que passa no relógio meu,
Pergunto-me em encantamento, para
onde caminhava aquela calmaria em forma
de pensante ventania? Para onde ela ia?

ESCALA (Wilson Macêdo Jr.)




Dó: Pena. Não preciso.
Ré: Há algo atrás.
Mi: Nada a dizer.
Fá: Teu apelido.
Sol: Apenas na praia.
Lá: Onde adormeço.
Si: A última de todas.

NEBLINA (Wilson Macêdo Jr.)




Um cão passeia sem olhar.
Na obscuridade da neblina,
Os espíritos que guardam o dia,
Adormecem ao som do trovão.

Um homem perdido caminha.
Na ilusão de suas contradições,
Escorrem pelas valas urbanas
o que lhe resta, o que lhe contamina.

Um gato apressa o seu passo.
Nas primeira gotas de chuva,
Suas patas inundam-se e calam-se.
O seu ruído não é mais de felino.

Não caminham lado a lado.
Um em cada ponto da rua.
E não dissipa-se a neblina,
Que atormenta a fria manhã.

OLHOS (Wilson Macêdo Jr.)

Para Lília Mercedes


O que há nesses olhos?
Oculares esfinges a ponto
de me devorar. Não digo.
Fujo e não respondo.

Segredos de minha ausência,
Quando teus olhos ainda não
miravam os meus. Não no
tempo que eras desconhecida.

Esses olhos... o que vai por aí?
Vestígios de dor e condolência.
Mas pelo que lacrimejam esses
olhos? Mistério! Peço clemência!

O que vejo não sei ocultar.
Devo abrir mão de tal escolha?
Devo manter-me em mudez?
Esses olhos... tanta lucidez...

O que há nesses belos olhos
onde habitam minhas indagações?
Quebra-cabeça tão desafiante,
Minhas elucidações não são o bastante.

O que vejo nesse olhos, vejo.
Mas não leio as inscrições crivadas
de enigmas. Leria eu tais segredos
se a ti conhecesse há tempos?

Ah... esses melancólicos olhos...
Reservam perguntas, elucidações
mistérios de outrora. Mas já passa
da hora de se abrirem e viverem.

O que esconde esses olhos?
O que vai tão distante aí?
O que se passa nesses olhos?
Inconveniente eu, tento descobrir.

INSÔNIA (Wilson Macêdo Jr.)





Deslizo e caio. Pranto.
Algoz da minha cama
inquieta e perturbada,

Jura que não faz pelo
prazer de ser perversa?
Jura? Então deixe-me adormecer...

A ROSA DO CAMINHO (Wilson Macêdo Jr.)




Essa rosa que encara meus passos,
É rosa de não sei quem. De quem é?
Fustigada por outros pés passantes,
Parece-me tão tristonha quanto ontem.

"És tua essa rosa flagelada moça?
Faz mal perguntar-te enquanto
caminhamos lado a lado? Para
onde caminhas sem teu canto?"

Essa rosa tão esfarrapada me
intriga ao longo do caminho diário.
O chão será seu sepulcral destino,
Que terrível flagelo! Pior não imagino.

"És tua essa rosa que perde perfume
dia a dia, moça que ao meu lado caminha?
Aceitá-la-ia mesmo com pétalas sem vida?
Ou me abandonarias no caminho também?"

Não vejo mais rosas por aqui florescer,
É tão solitária quanto a minha primeira
hora do amanhecer. Mas essa moça que
ao meu lado caminha, poderia saber?

"Essa rosa que se inclina e chora em
choro orvalhado, merece mãos cuidadosas,
Merecem a tua carícia que para mim
se mantém misteriosa. Onde está a rosa?"

"Moça que caminha ao meu lado,
fizeste-me perder o tino das coisas,
Descuidei-me da rosa tão descolorada,
Será que outros pés a puseram enterrada?"

"Vejo um ponto vermelho sob a terra!
Ajuda-me moça a recolher a rosa que
tão bela era. Toma-a em tuas mãos e
faz milagre jamais visto. Faz isso por ela!"

Essa rosa em frangalhos ainda vive.
A moça que caminha ao meu lado
lhe devolverá a força vital. E na próxima
manhã, fará da terra pisada um roseiral.

Essa rosa em mãos desconhecidas,
Essa rosa que ainda respira vida,
Fará do caminho meu e da moça
que comigo caminha, um belo entardecer.














LÁGRIMAS DE UM PALHAÇO (Wilson Macêdo Jr.)




Nem mesmo os risos que ouço,
Apaziguam a fúria do amanhecer.
Só a tristeza me entende e sabe
quem sou nessa idade. Ah... senhores...

triste é que apenas sei divertir,
Triste é não saber sorrir de verdade.
A angústia, na noite não é minha imagem.
É o contraste da minha alegre maquiagem.

Se a máscara que me envolve caísse,
Não haveria sorriso, sequer de gritar
uma vontade. E então veriam quem sou.
Falariam e chorariam. "Ah... alegre sofredor!"

Meu riso, senhores, entendam! Não é sorriso!
Minha alegria não é corriqueira.
Mas quem sabe essa máscara,
Um dia torne-se minha face verdadeira.

6:28am (Wilson Macêdo Jr.)

Dulcíssima é a manhã
ao seu lado amanhecida.
Mas mulher, não te aflijas,

se nos próximos minutos
encontrares meu corpo,
a descansar sem vida.

40 ANOS DE "ROMEU & JULIETA" DE FRANCO ZEFIRELLI

A versão mais famosa da maior história de amor de todos os tempos, completa em 2008 quarenta anos. Romeu & Julieta do diretor Franco Zeffireli. O filme é uma primazia, e não é desconhecida a jogada de mestre que foi, escalar dois atores desconhecidos para interpretar o par romântico da trágica história de Shakespeare. A trilha sonora é um clássico que inclui o famoso tema do casal, que foi para as telonas em 1968. Zeffireli não simplifica o texto teatral de Shakespeare, inclusive nos passa passagens na íntegra de acordo com as traduções. A clássica tragédia já teve várias versões em teatro e cinema. Para quem quer uma versão com visual mais moderno, em 1998 foi lançado Romeu & Julieta de Baz Lurmman com Lernardo Di Caprio e Clare Danes. E mesmo com toda estética mais atual, o diferencial é que Lurmman manteve igualmente os textos na íntegra. Não importa a versão, o que vale é assistir Romeu & Julieta seja lá em que época for. Afinal, um clássico nunca morre.
"Romeu & Julieta" de Franco Zefirelli de 1968



"Romeu & Julieta" de Baz Lurmman de 1998

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA (Revista Verde & Amarelo - Portugal - Outubro de 2008)

Por: Wilson Macêdo Jr.


Fernando Meirelles é sem dúvida o diretor brasileiro de maior prestígio internacional. Quando em 1997 quis levar às telonas Ensaio Sobre A Cegueira do escritor português José Saramago, ganhador do prêmio Nobel da literatura, recebeu um “não”, por ser inexperiente em longas-metragens. Eis que dez anos depois já com fama, diga-se justa, por Cidade de Deus, e O Jardineiro Fiel, Meirelles recebe sinal verde do escritor. O elenco estelar que contém nomes como Juliane Moore, Mark Ruffalo, Danny Glover e Gael García Bernal, é sinal de que o diretor brasileiro trilha por bons caminhos lá pelas bandas de Hollywood. Quando surge uma misteriosa epidemia de cegueira branca, a única pessoa a enxergar é uma mulher (Moore), esposa de um oftalmologista (Ruffalo). que guia um grupo democrático pelas ruínas da sociedade. Liderando o grupo ditatorial está Gael, que impõe terríveis castigos ao grupo contrário. Apesar das cenas fortes de estupro, morte, e um incômodo pela estética que é apresentada da cegueira, Meirelles não abusa e torna Ensaio Sobre a Cegueira uma excelente razão para ir ao cinema.


NOTA: 8,0

Nome: Ensaio Sobre A Cegueira
Ano: 2008
Elenco: Juliane Moore, Mark Ruffalo , Danny Glover, Gael García Bernal, Alice Braga.
Direção: Fernando Meirelles
Gênero: Drama
Duração: 118 min.
http://www.ensaiosobreacegueira.com.br/

A FESTA

Wilson Macêdo Jr.



O apartamento era uma bagunça só. Apenas Lena sabia onde estavam as suas coisas, era o famoso caos organizado. Percebeu que no apartamento vizinho, iniciava-se uma movimentação de caixas e mais caixas. Seria uma mudança? Será que enfim os pombinhos iriam deixá-la em paz? Sabia que na juventude o amor fala mais alto, mas não a ponto de acordá-la quase toda madrugada. Não resistiu. Fez o que faz qualquer curioso, sem nenhum pudor, esticou-se para espiar no olho mágico. Demorou até ver alguma coisa, e o que viu não lhe agradou muito. Não. Não iriam se mudar os amantes fervorosos da madrugada. Viu caixas de wisky, vodka, cervejas, tudo para uma grande festa. E não demorou muito para passar caixas com visíveis marcas de gordura. Eram os salgadinhos. Não hesitou, farejou pela fresta da porta. Era o inconfundível camarão, e deviam ser empanados. Lena cozinhava muito bem, portanto, o seu faro igualava-se a de um perdigueiro quando o assunto era comida.
Era só o que faltava. Uma festa para completar o seu fim de semana. Teria que ficar ouvindo gritinhos, barulhos de garrafa e com certeza a música estaria mais alta que o de costume. Arrrg...! Festa! Lena já prometera a si mesma que compraria um medidor de decibéis para na próxima festinha que tivesse, bancar a fiscal e no primeiro decibel a mais denunciaria os anfitriões. Não! Não bancaria a vítima mais uma vez. Iria dar uma festa também. E por que não?! Desgrudou-se da porta e começou a pensar nos preparativos. Por onde começaria? Bebidas! Pegou rapidamente o telefone e ligou para primeira entrega rápida de bebidas que encontrou na lista telefônica. Encomendou caixas e mais caixas de cerveja. Ligou para o supermercado a dois quarteirões de sua casa e pediu que lhe entregassem wisky, vodka e mais outras bebidas exóticas. Estava muito animada porque até que enfim iria dar uma festa. Por um momento chegou a agradecer em silêncio aos seus vizinhos tão enamorados por terem lhe aberto os olhos. As comidas! O que faria? Um jantar ou um buffet? Era melhor um buffet, seria menos informal. Saiu apressada de carro para encomendar os salgados, seriam salgados simples queria mesmo uma comemoração singela. E ao chegar à panificadora de luxo do seu bairro, mal continha a sua excitação. Escolheu entre dez tipos de salgados. Falava com uma animação fora do normal. A atende tomou nota de tudo e fez a comenda com a recomendação de urgência, e teria que pagar uma pequena taxa a mais por isso, mas não se incomodou. Na volta para casa, passou em uma floricultura e comprou ornamentos para sua festa. “Iria ficar linda”, pensou. Passou o resto da tarde ansiosa, mal continha o suor.
Quando o relógio marcou sete horas em ponto, foi para o banho. Cantarolou as suas músicas favoritas a plenos pulmões, sem medo de algum vizinho ouvi-la. Escolheu o melhor vestido, o melhor perfume e já estava pronta. Sentou no sofá à espera das entregas, e não demorou mais que meia hora e tudo estava em suas mãos. Bebidas e comidas. Deu uma gorjeta astronômica aos entregadores que ficaram até um pouco assustados. Distribuiu as flores pelo apartamento, dispôs os salgados na mesa, as taças, tudo que tinha direito. Já ouvia os convidados chegando na festa vizinha. E sorriu. E às vinte e trinta em ponto, ligou o aparelho de som com suas músicas previamente selecionadas. Era dada início a sua festa. Serviu-se de champagne, e alguns salgados, dançou pela sala de estar, riu de suas próprias piadas e embriagou-se. Dançava loucamente todos os estilos musicais possíveis, servia-se de cerveja, wisky, fez caipirinhas e aumentou o som a quase o máximo. Sua festa estava tão divertida quanto a dos seus vizinhos tão cheios de amigos. Sua voz conseguia ser mais audível que a do cantor em seu aparelho de som. Parecia que se libertava de alguma coisa. Era livre para se divertir. E quando a última faixa do disco silenciou o apartamento, Lena encontrava-se refestelada no sofá, com uma taça de champagne na mão. E quem olhasse com cuidado o seu rosto em pleno o sono, notaria um pequeno sorriso de felicidade.

O METRÔ

Wilson Macêdo Jr.



Quando o barulho já se tornava insuportável, aquele falar frenético de pessoas desconhecidas tornou-se uma tortura. Aquele trem do metrô materializou-se em inferno, com vários demônios a conversar conversas de fim de tarde. Mariano era um anti-social convicto e não anônimo. Não tinha problemas em abrir aos quatro ventos quem era. Simplesmente não gostava de pessoas, e quando estavam juntas, lhe agradavam menos ainda. “Toda massa é burra”, pensava ele. Será que estava tão errado assim? E que conversas eram aquelas? Filhos, mães, amigos, casamento, batizados. Quanta futilidade! Em uma vida de solidão, não cabiam intimidades com qualquer tipo de ser vivo. Nem um mísero râmster merecia a sua atenção.
Tinha sido um dia difícil, com mais problemas que o usual. Tantas coisas tinham fugido de sua rotina naquele dia, que se sentia desnorteado, como uma criança que perde a mãe em pleno centro da cidade. E no centro de tudo, estavam as suas manias diárias, suas “coisinhas” insignificantes. Mas não para Mariano, essas “coisinhas” eram a sua vida. Era o expert em transtorno obsessivo compulsivo, e tinha uma meia dúzia deles. Todas as suas coisas tinham que ficar em posições geométricas, ou perpendiculares, ou ridiculamente alinhadas. Não tinha quem o repreendesse, ninguém para mandá-lo procurar ajuda médica, e não sentia falta de nada disso. Era feliz ou talvez conformado com os seus problemas. Esse trem que não chegava logo em sua estação! Achou que ia enlouquecer. Aqueles balbuciares vazios e sem sentido! Não demorou muito e entrou no mesmo vagão, uma figura no mínimo pitoresca. Vestia-se como um hippie, um tipo clássico, com óculos redondos “a la” Johnn Lennon. Levava nas costas um violão com uma capa precária. Ah meu Deus! Tomara que ele não puxasse aquele instrumento e começasse a fazer uma exibição pública a troco de moedas. Sempre sentia-se constrangido com aquele tipo de situação. Parecia que o hippie tinha lido os seus pensamentos, que faria aquilo só para lhe contrariar. Tinha mania de achar que tudo era em função de si. O hippie começou a cantar. “Não surte Mariano! É apenas um hippie cantador! Não surte!”, ouviu uma voz em sua cabeça. Não iria surtar. Iria no mínimo ignorar. Algumas pessoas prestavam atenção, outras pareciam gostar e outras simplesmente permaneciam com suas leituras.
Aquelas três músicas pareciam que não iam acabar nunca. E quando ao final o hippie lhe estendeu a mão, disse com veemência mas quase inaudível, “Sua música não merece uma moeda minha”. O hippie ficou sem ação com a grosseria. Limitou-se a estender a mão ao próximo passageiro. Tinha chegado enfim a estação em que iria descer. Saiu apressado como se as portas do inferno tivessem sido abertas. Muitas outras pessoas saíram também. Estava livre. Suspirou, sentiu um mão tocar o seu ombro. Era o hippie. Como era insistente! “Minha música não vale uma moeda sua?”. Mariano deu as costas e continuou. O hippie o puxou pelos braços. Sentiu no lado esquerdo do rosto um peso. Tinha sido golpeado em cheio pelo hippie. Conseguiu soltar um grito abafado enquanto era estrangulado. Um homem que subia as escadas, ouviu o grito e vendo a situação, chamou um grupo de amigos com um assovio. Não demorou mais que dez segundos para uma multidão se aglomerar em torno do hippie e tirá-lo de cima de Mariano. Alguns batiam, outros chamavam a polícia, outros xingavam, e outros vinham ao socorro de Mariano, que naquele instante estava arroxeado. Tossiu forte e tomou o fôlego. E quando se deu conta, a massa, aquela massa que tanto lhe repugnava, tinha sido a sua salvação. “Que verme você é hein Mariano!”. Foi só o que conseguiu pensar. A tal massa que era burra, talvez ainda fosse burra, mas tinha sido providencial. E pensou, mudou os seus conceitos a cerca daquilo tudo. Não poderia continuar pensando daquela forma. Às vezes, era preciso mudar! E falou para si mesmo que nunca mais ia desafiar um hippie! Que iria andar sempre com moedinhas nos bolsos para quando aparecessem cantando aquelas músicas chatas. Era isso. Não iria mais desafiar um hippie. Afinal, não queria mais precisar daquela “massa”.

VERSOS POLIDOS (Wilson Macêdo Jr.)





De tanto anoitecer em prece velada,
Meu ínfimo coração cansou-se . Não.
Já não mais espera uma nova estrada.
Nem vento e frescor. Nem a sua mão.

No desabar de razões tão incógnitas,
Das questões em desacato e tão vivas,
Caminho por terra de agonias inóspitas.
Lá, os versos são da sustentação as vigas.

Ah... meus doces desesperos amanhecidos!
Deixe-me a ela mostrar em versos polidos,
Todas minhas inquietações de inquieto clarão.

E quando ela cair em si, em plena doce poesia,
Já estarei em seu olhar vidrado de alegria.
Então ela entenderá do que sofre meu coração.

MANHÃ (Wilson Macêdo Jr.)





Ah... se a doce manhã me encontrasse perdido,
Ainda que nublada e fria estivesse minha alma,
O calor se dissiparia em minhas veias. Estaria
vivo e acordado, mas ainda desiludido e calado.

Ah... se ela voltasse! Ah... se ela de mim tudo
quisesse, tudo voltaria a ser e tudo seria tão
perfeito. Mas não tenho mais manhãs de sóis
tão quentes, de ventos tão soprantes. Nada.

Ah... se o tempo voltasse, se ele assim atrasasse,
Faria tudo que não fiz, ou refazia tudo, ou escaparia
por um triz. Ou tudo seria igual e tão simples de novo.
Ah... manhã, vai! Ah... manhã, vai! E vê se não volta mais!

A MARÉ

Wilson Macêdo Jr.

Os seus olhos abriram devagar e a primeira coisa que viram foram as nuvens correndo pelo céu. Os seus ouvidos captaram o barulho do mar. Era o roncar característico das ondas em choque com a areia. Seu corpo estava cansado, parecia que fora açoitado por horas a fio. Tudo lhe doía, da cabeça ao menor dedo dos pés. Respirava normalmente, como qualquer ser vivo. Estava todo sujo de areia, algas e mais algumas coisas marinhas não identificadas. Parecia que algo lhe fugia da mente, não sabia bem o que fazia ali, estava desnorteado. Permaneceu deitado à procura de respostas e no próximo segundo o que recebeu fora uma carinhosa lambida de seu cão. Uma recepção digna dos bêbados. Será que estava com amnésia alcoólica? Era bem possível. Mas nenhuma garrafa estava próxima a ele. Sentou-se e alisou o seu fiel amigo, que parecia mais feliz que o de costume. O rabo parecia uma hélice de helicóptero. O animal não parava de cheirá-lo e lambê-lo. “O que estou fazendo aqui?”, perguntou ao cão e depois sorriu com a própria pergunta. Um cão não poderia respondê-lo. “Tá bom, já chega”, recriminou-o. E sorriu novamente com aquela situação. Retirou as algas do corpo, limpou um pouco a areia, mas sem muito sucesso. Continuou olhando fixo para o mar na esperança de receber uma resposta. Sua cabeça agora doía. Não tinha forças para levantar dali.
Deitou-se novamente, com o seu fiel cão do lado, como um guarda. Sentiu alguma coisa no bolso. Seria possível uma alga ter entrado ali? Afinal de contas o que fazia ali? Pôs a mão no bolso direito da calça que estava encharcada, o que significava que não havia muito tempo que estava ali. Sentiu que no bolso tinha um papel grosso, como de fotografia. E ainda deitado o puxou e para seu espanto deparou-se com a fotografia de Lílian, bela e fotogênica como sempre. Sorriu por alguns segundos e logo depois foi invadido por um lampejo, uma lembrança, e não mais sorriu. Sua feição tornou-se triste. Lembrou-se de tudo. Meu Deus! Ainda estava vivo! Como era possível? Nunca tinha ouvido falar numa situação parecida. E quando seu coração bateu ligeiramente, lembrou-se que Lílian o havia deixado, que não havia mais nada entre eles, mais nada. Lembrou que a essa hora, deveria fazer parte do mar, do fundo do oceano, até o seu corpo boiar sem vida. Mas como era possível? Será que nem acabar com a própria vida conseguia? Será que era tão incompetente assim? A dor tornou-se insuportável, tinha vergonha de si mesmo e do seu cão. Então era isso, Mambo estava feliz por ter o seu dono de volta. Mas o que iria fazer sem Lílian? Pelo menos de sua tentativa frustrada de suicídio só tinha como testemunha o seu cão e o próprio mar, que não tinha colaborado nem um pouco.
Despiu-se de toda rebeldia, encarou a situação. Ainda não sabia bem como tinha sido devolvido pelo mar, mas o importante é que estava ali. Para o diabo com Lílian, com o seu jeito perfeito de ser. Não queria sentir-se mais amargurado, solitário, sem amor. Era capaz de Lílian reagir com menos entusiasmo pela sua volta, se soubesse o que aconteceu, do que seu cão Mambo. Talvez nem ficasse feliz, talvez desejasse que estivesse morto de fato. Levantou-se. Não sabia se quem o tinha trazido fora Netuno, Iemanjá ou até uma sereia. Sabia que não ia tentar de novo aquela loucura. Tinha coisas mais importantes para fazer. Agora, tinha que cuidar de Mambo, seu cão, quem lhe amava de verdade. E ao dar os primeiros passos de volta para a sua casa à beira do mar, Mambo andava ao seu lado, dava voltas em torno de seu corpo, estava feliz, pois era amado pelo seu cão, e era o que bastava.

TEATRO EM FEIRA


Sabemos que o teatro em Feira de Santana não vive uma boa fase, e mais do que nunca é hora de mudar essa situação. Não é novidade para ninguém que só prestigiando o nosso teatro, ele terá de volta os seus dias de glória. Aqui vai algumas dicas para o mês de novembro no teatro do CUCA:
. DIA 15 E 16/11
"NÓS DOIS E MAIS UM"
Horários: Sábado às 20:30
Domingo às 19:30
Ingresso: 5,00 + 2Kg de alimentos não perecíveis para a campanha "Natal Solidário".
. DIA 26/11
"ESSAS HISTÓRIAS"
Horário: 20h
Entrada franca - Convites no CUCA

Para saber a Agenda Cultural completa do mês de novembro do CUCA e do Centro de Cultura Amélio Amorim, visite o site: http://www.uefs.br/

NÃO SEI

Não sei o que faço,
Não sei se disfarço.
Não sei o que sei,
Mas sei que me afasto.

Sei que minhas mãos
querem o toque,
querem a resposta,
Não querem o vago.

Mas desconverso,
Mas faço descaso.
Sei que me dispeço,
E finjo ser o acaso.

Não sei se sigo,
Não sei se paro.
Mas sei que fico,
No vago espaço

de uma manhã,
De uma noite,
De uma tarde,
De um cigarro...

30 ANOS DE "HALLOWEEN"


Para os fanáticos por filmes de terror, o ano de 2008 é um ano de comemoração. É o aniversário de Halloween - A Noite Do Terror, com o personagem Michael Myers, um psicopata que depois de matar a irmã vai para um manicômio e muito anos depois, volta para perseguir as babás da cidade de Haddonfield, em especial a sua irmã Laurie Strod. Em seu primeiro papel no cinema, Jamie Lee Curtis (Meu Primero Amor, True Lies), filha dos atores Tom Curtis e Janet Leigh (Psicose) atua ao lado de Donald Pleasence, o implacável psiquiatra de Myers. Halloween é dirigido por John Carpenter, um dos mais importantes diretores do cinema de horror. Carpenter mudou a face dos filmes de terror com essa pérola que deu origem a mais sete sequências, mas nenhuma tem o "jeitão" do original.  Vale lembrar que Michael Myers é o primeiro assassino mascarado dos filmes de terror entre as décadas de 70 e 80.  Nesse ano estreou o remake do  original, mas não houve uma  boa recepção. Na dúvida, vale mais à pena assitir a versão de Carpenter de 1978.

MAMONAS MAIS UMA VEZ ( Revista Verde & Amarelo - Portugal - Outubro de 2008)

                                                    Por: Wilson Macêdo Jr.


Quando o grupo Mamonas assassinas surgiu em 1995, foi um retrato da criatividade e da irreverência. A inacreditável marca de 2,5 milhões de cópias em apenas cinco meses e meio, torna-se então história. Mas o acidente aéreo em 2 de março de 1996 envolvendo o grupo, deixou órfã uma legião de fãs. Os Mamonas estavam prestes a iniciar uma carreira internacional no dia 3 de março de 1996, com início em Portugal. Com sucessos como “Pelados em Santos”, “Robocop Gay”, “Vira-Vira”, “Sabão Crá Crá”, o grupo conquistou o Brasil e o exterior. Agora a história irá para os cinemas pelas mãos da Tatu Filmes, com incentivo do Fundo Municipal da Cultura da cidade de Paulínia, o novo celeiro de produções cinematográficas do Brasil. Possivelmente, o ator que irá interpretar Dinho será Selton Mello. O filme irá chamar-se Mamonas Assassinas – De Muvi, satirizando o expressão norte americana “The Movie” (O Filme). Um título irreverente para um grupo que usou a irreverência como forma de se expressar. Ainda não há data de estréia prevista, mas acredita-se que até 2009 o filme sairá. Os fãs agora irão poder ver imortalizada a história do sucesso meteórico dos Mamonas Assassinas, um grupo imortal.

ISADORA

As ondas que se quebram no mar tornam-se sinfonia na manhã. Na cabana estamos eu e Isadora em simples trajes noturnos. E antes que o primeiro raio de sol invadisse o cômodo, já estava eu contemplando Isadora. Dormia tranqüila e serena. As minhas mãos em um ato de impulso, tocam os seus cabelos castanhos que me eram tão peculiar. Isadora abre os olhos vagarosamente, é a sua consciência de volta ao corpo e à minha vida. Em cinco segundos trocamos olhares, e ela me apresenta um sorriso cheio daquilo que eu sempre quis. Ela mexe-se na cama como um felino preguiçoso, com movimentos graciosos e olha-me novamente. O olhar é o mesmo que me tomou de súbito da primeira vez que a vi. Nada havia mudado. Podia eu ler os seus pensamentos, ouvir sua vez mesmo no silêncio. Isadora estava gravada em cada pedaço do meu íntimo.
Um beijo. Puro deleite. Não queria mais sair dali, não queria mais pensar em nada. Os seus braços eram suficientes para manter-me vivo. Ah... e como a minha vida depende dela. Um feixe de luz ilumina o momento. O sol toca timidamente o nosso leito, toca de leve os cabelos de Isadora. O castanho escuro torna-se mais claro, ilumina a sua face. Ela não precisa de qualquer outra luz, Isadora tem luz própria, é uma estrela viva e cheia de graça. De súbito não há mais beijo, minha boca sente um vazio. Ela pula da cama com incrível agilidade, corre até à porta da cabana e a escancara. O cômodo agora é pura manhã, o sol invade a cabana e enche-a de luz. Ainda na porta, Isadora abre os braços e parece alimentar-se da luz e do vento que assanha os seus cabelos com voracidade. Um olhar. No momento, nada mais é que um convite. E a areia é tocada pelos seus pés que correm ligeiro em busca do mar. Salto eu da cama e a persigo cegamente, sem saber aonde ela irá parar.
Ah... como Isadora ama o mar, como ama o vento, a areia, à mim. Ela atira-se ao mar como um pássaro em mergulho de caça. Fico eu na areia contemplando a cena. Se as mitológicas sereias andassem, seria Isadora uma delas. Ela sai lentamente do mar, a roupa de dormir encharcada, e ao atirar-se na areia ao meu lado, o perfume do sal toma os meus sentidos. O seu beijo que deveria estar salgado, parece mais doce do que nunca. O sol está ali. Estamos sentados e nos perguntando o motivo de tanta felicidade. Tudo é respondido por um sorriso, o último antes de olhar mais uma vez nos olhos de Isadora e ver que a perfeição existe. Pois, eis que está diante de mim a sorrir.

Wilson Macêdo Jr.

O NOME DA TRISTEZA

Se tristeza tivesse nome, teria o meu.
Que bem digam os poetas embebidos em dor.
Que cambaleiam entre um verso e outro,
E em um verso ou outro sempre se encontram.
Seja na chuva que arde sobre a pele,
Ou sob o sol que congela a pobre alma.

E se tudo em segundo torna-se o fim o mundo,
As caminhadas de olhares noturnos profundos,
Tornam-se cúmplices da magia do furor.
Não és mais poeta inocente e calado,
Faz das veias caminhos mais que sanguíneos,
Passam por ali nada mais do que rancor.

Se tristeza tivesse nome, teria o meu.
Vivo eu entre os tempos do que foi um dia,
A doce lamúria das partidas e ilusões,
Que se inclinam e se vingam pelo esquecimento.
Chamaria de maldita a manhã malfada,
Que trouxe desesperança ao que era sonho.

E bater em retirada é mais difícil,
Quando se nota uma lágrima derramada,
Queimando a face que espelho foi.
E sonhar sonhos de um segundo apaixonado,
Torna o momento, vapor do que era água,
E se transforma em chuva ávida por chão.

Se tristeza tivesse nome, teria o meu.
Ainda que vozes e sorrisos me alertassem,
Com doce desdém os maltratava. Amigos meus.
Ah... a tristeza já entranhou-se no meu ser,
Vagarosamente torna-se parte de mim,
Nada pode desfazer tal laço enlaçado assim.

A MONTANHA

Triste é a tarde morrendo na montanha.
Triste é a história escondida além.
Contam-se casos das heresias dos ventos,
Que por ali não circulam já há tempos.

Sofre cada folha não caída da estação perdida,
Sofre triste montanha sem seus arvoredos.
Escura mais do que escura por ali decai tardia,
A esperança das histórias ali esquecidas.

Nem um canto da mais solitária ave cantadeira,
Nem um suspiro da última morte prematura.
Por ali nada vai mais além da tristeza escondida,
Por ali nada caminha, no caminho da vida não vivida.

Triste é a tarde morrendo sem sentir.
Triste são os olhos que lá habitam.
Nada é nada, em triste esquecimento,
Da montanha que se ergueu sem vida.

E os que passam deixam-se tomar,
Pela devastação da pureza desnuda.
Triste é a solitária esquecida montanha,
Que ergueu-se um dia, à procura de vida.

O JORNALISTA CARLOS

         Ele já não podia esconder que Rosa lhe chamava a atenção. A sua oportunidade surgiu em um dia chuvoso em que saia da redação do jornal em que trabalhava. Rosa também fazia horas por lá. Ela tinha os olhos verdes, e foi a primeira coisa que o jornalista percebera. Em pleno verão, a chuva começou fraca às cinco horas da tarde, estaria acabado o fim de semana na praia. Mas para o jornalista Carlos não fazia muita diferença, pois não era chegado a programas em público. Preferia ficar em casa, e da sua janela ver os passantes do calçadão. Era um homem solitário, sem amigos, sem cão, sem nada. E quando às seis e meia da tarde a chuva já quase perfurava o asfalto de tão forte, ele abriu o seu guarda-chuva preto, viu que rosa tentava abrigar-se embaixo de um capote muito fino. Não havia táxi por perto, ele na verdade não precisava, morava a apenas dois quarteirões dali. Mas não Rosa, ela morava longe. E se perguntou onde estaria o seu carro. Em um impulso ofereceu abrigo em seu guarda-chuva. Ela não teve como recusar.

          - Onde está o seu carro? – perguntou já com metade da camisa encharcada.

          - No mecânico! Onde mais poderia estar... – parecia simpática. Conhecia Carlos de um modo amistoso, sem muita aproximação.

          - Você pode me acompanhar até em casa e lá você pede um táxi. – a idéia foi bem vinda e bem aceita. Os dois caminharam pelos quarteirões que separavam o Jornal da casa de Carlos. No caminho conversas insossas de pessoas que não se conheciam bem surgiram. Coisas como o tempo, crises econômicas e o famigerado aquecimento global. Para Carlos a voz de Rosa parecia diferente, como se nunca tivesse ouvido antes. Perguntava-se se não teria idealizado a jornalista, o que caracterizava um caso clássico de amor platônico. Essa era história de sua vida. Amores platônicos e sem muito futuro. Riram de uma ou duas coisas. Coisas com pouca graça, corriqueiras.

          Ao destrancar a porta, Carlos se perguntou o que estaria fazendo. Nunca trouxera uma mulher em seu apartamento. Não com segundas intenções. Outras mulheres já tinham ido a seu lar ridiculamente organizado para um ser solteiro do sexo masculino. Rosa enxugou-se em uma toalha prontamente apanhada por Carlos. Ele tentou disfarçar e tentou não olhar para Rosa enxugando a roupa e o corpo. Estava nervoso. Mas sentiu que era hora. Não tinha por que esconder mais. Ouviu em sua cabeça algo dizer: “Vai Carlos! É agora ou nunca!”

          - Estou apaixonado por você. – Declarou-se de forma seca e ficou branco como cera, com olhar de cachorro pidão, como se implorasse por alguma coisa. Rosa ficou sem jeito, tentou desconversar, tentou usar mil argumentos. O que ela dizia parecia insuportável de se ouvir. Pelo menos para Carlos. Não demorou muito para Rosa se desfazer da situação. Acertaram os ponteiros, estava tudo certo. Carlos continuaria com o seu amor platônico e Rosa seguiria a sua vida.

          Despediram-se formalmente ao chegar o táxi. Agora descia pelo elevador o seu amor de alguns meses. Como de praxe, não correspondido. Foi-se Rosa no táxi, mas agora fazia sol. Ao sentar-se em frente à janela, e não passados mais que dez minutos, avistou uma passante que já lhe era familiar. Percebeu que algo acontecia em sua mente. Aquilo tudo de novo. Carlos era um verdadeiro caçador de amores platônicos. E quando se deu conta, começou a chuviscar novamente e tinha uma arma em suas mãos. Ele sabia o que tinha que fazer. E quando o seu dedo indicador apertou o gatilho, não havia mais amores platônicos, apenas uma escuridão. Nada diferente de onde sempre tinha vivido.


                                                                                                                 Wilson Macêdo Jr.

ÚLTIMA PARADA, 174


Nem tudo são flores no cinema nacional. Ainda bem, pois são com os erros que se aprende. Mas Bruno Barreto teve a chance de fazer uma obra prima e passou batido. Levar para a telona uns dos sequestros mais dramáticos já televisionados no país, tinha tudo para dar certo, mas não foi o que aconteceu. Tudo bem que o sequestro em si não era necessariamente para ser o centro da questão, mas deixou a desejar. Não há emoção alguma na sequência. Ao contrário do documentário de José Padilha Ônibus 174. Contar a história de Sandro Nascimento era essencial e o erro maior foi transformar a chacina da Candelária em uma sequência sem muita importância, sendo o personagem principal um dos poucos sobreviventes. O que surpreende é o roteiro de Bráulio Mantovani que fica aquém do esperado, já que é responsável pelos roteiros de Cidade de Deus, que concorreu ao Oscar, o excelente Tropa de Elite, e Linha de Passe. O que alivia é o bom trabalho de interpretação de todo o elenco, de atores profissionais e semi-profissionais. Mas não chega a ser o bastante para tornar o filme em uma grande obra. Bruno Barreto parece perdido, como se buscasse algo novo. Ao sequestrar o ônibus 174, Sandro é encurralado em uma rua e mantém refém os passageiros, acabando em tragédia com a morte da passageira Geisa em início de gravidez. O filme foi inscrito para representar o Brasil no Oscar. Vamos torcer, mas o que sobra em filmes como Cidade de Deus e Tropa de Elite, falta em Última Parada 174: originalidade.

NOTA: 5

Nome: ÚLTIMA PARADA 174
Ano: 2008
Elenco: Michel Gomes, Marcello Melo Jr., Cris Vianna
Direção: Bruno Barreto
Gênero: Drama
Duração: 114 min.

ALÉM

Ah... desilusões e tristezas...
Sei que são minhas, e também
de outros sempre serão além.

Além de quê? Além de quem?
Será de mim? De mais ninguém?
Ou está além de toda beleza?

Não mais pergunto.
Não mais me iludo.
Só vago só por aí...