VISITANTES

HORA DE PARTIR




Se o mar sagrasse o meu afogo,
Se gaivotas melodiassem à tarde
e o vento esculpisse o que leva,
Seria hoje o dia partir.

Uma partida breve e sonolenta,
Um entregar-se sem recompensa.
Seria hoje o dia de partir
se o mar aflito me assistisse.

Seria uma partida cândida,
Um acenar para um distante futuro,
Um acerto no alvo no escuro,
Um acorde que se estenderia pela manhã.

Se a lua banhasse o meu olhar,
Se o seu reflexo incidisse no mar,
O meu imergir seria despercebido.
O meu mergulho seria caudaloso.




CAFÉ LITERÁRIO DIA 24/11 NO CUCA


A MULHER NA NEBLINA


       Tinha começado a chover. As férias de Lauro em Petrópolis já eram uma realidade. Pensou que seria bom um clima de serra, um pouco de ar puro, ter contato com a natureza. Embora não fosse chegado a programas naturebas, às vezes sentia a necessidade de acordar com os pássaros cantando, ou até mesmo um galo. Na cidade onde morava só se ouvia buzinas histéricas, o barulho da estação de metrô e britadeiras às oito da manhã. Para Lauro, viver na cidade era bom, prático, mas às vezes sufocante. Tinha a impressão que a cidade sempre parecia correr contra o tempo, todos pareciam estar atrasados para alguma coisa, nada funcionava como o planejado. Era assim que via a cidade. Ela parecia ter vida própria. E uma metrópole como São Paulo, achava que era o tipo da cidade que tomava energético com café e até um pouco de Coca-Cola. Mas achava a cidade linda, vista de um certo prisma é claro. O caos de certa forma organizado, de certa forma impingido no senso coletivo.
            Ao chegar na serra, sentiu seu corpo diferente. Era o ar livre, que pra falar a verdade não estava tão acostumado assim. O vento era simplesmente diferente de qualquer outro, talvez não pra quem estivesse sempre passando pela ponte cidade/campo, mas sabia que pra quem quase nunca enchia seus pulmões de ar puro, a diferença era gritante. Sebastião, o seu melhor amigo, tinha emprestado a chave de sua casa para Lauro. Era belíssima. Era como um pedaço da cidade dentro do verde exuberante. Era uma casa moderna, com decoração classificada como clean, os móveis quase todos em tons de branco e paredes em tons pastéis. Era o lugar perfeito para passar as férias e pensar na vida. Sim, porque Lauro sabia que a sua vida não passava de um clichê, sem muitas aventuras, apenas trabalho e poucas novidades. Sempre teve aversão quando ao telefone algum amigo perguntava sobre as novidades. Não havia nenhuma, ou melhor, nunca houve, e talvez continue assim. Se perguntava por que na vida sempre temos que ter novidades? Será necessário uma coisa nova a cada dia? Preferia a mesmice do dia-a-dia e de vez em quando viajar a Petrópolis e tornar-se incomunicável.
            O caseiro veio recebê-lo e prontificou-se a apanhar as suas malas. Achou o senhor muito educado. Talvez assim fosse por recomendação de Sebastião, ou quem sabe ele era mesmo assim. O caseiro guiou Lauro até o quarto principal e no caminho contou umas histórias bem sem graça do Sebastião e de outros convidados que ali estiveram. Notou logo que ele não era nem um pouco ético, a discrição ali passava longe. Lauro limitava-se a soltar sorrisinhos amistosos. Depois de instalado pelo caseiro fofoqueiro e impertinente, foi até a janela para apreciar a vista. Era deslumbrante. Em frente à casa havia um pedaço de Mata Atlântica, dizia um pedaço mas para ele era gigantesca. Embora estivesse gostando de tudo, às vezes se sentia como um pássaro que viveu a vida inteira em uma gaiola sendo bombardeado por buzinas e poluição e que de repente tinha sido jogado no meio da floresta. Ao descer, a cozinheira anunciou que o jantar estava quase pronto, e se perguntou quem conseguia jantar antes do pôr-do-sol. Como se estivesse em um restaurante, a cozinheira disse que a entrada seria uma sopa de agrião e o prato principal seria massa a Putanesca. Apenas agradeceu e foi para a sala de estar, onde a lareira já estava acesa. Ela lhe perguntou se queria beber alguma coisa, Lauro disse que ela poderia ficar à vontade, ele mesmo se serviria se quisesse beber alguma coisa. Não sabia se tinha sido indelicado, mas ela consentiu com a cabeça e partiu para cozinha.
            Resolveu tomar um conhaque e fuçar um pouco a estante de livros do Sebastião. Sebastião era o tipo do leitor eclético, mas eclético mesmo, sua estante ia de Machado de Assis, passando por Danielle Steel, até chegar a um livrinho vagabundo de auto-ajuda. Caoui um livro de poesias de Pablo Neruda, era totalmente em espanhol, resolveu buscar algo mais nacional. Achou meio que escondido um livro de poesias de Manuel Bandeira, e antes de terminar o quinto poema a cozinheira veio anunciar o jantar. Comeu rapidamente a entrada e o prato principal enquanto o sol se punha, estava tudo muito agradável não fosse a cozinheira a invadir a sala de dois em dois minutos para perguntar se precisava de alguma coisa. Depois do jantar recolhido voltou para a sala e leu mais algumas poesias de Bandeira em frente à lareira se sentiu culpado por o sono chegar naquele momento. Não tinha jeito, a cama era a sua próxima parada. E assim obedeceu ao seu corpo.
            Dormia pesado, não tinha acordado de madrugada como de costume e só levantou ao sentir um vento frio que vinha da janela. Com a visão ainda turva olhou em direção à janela e ela estava aberta, o que achou bastante estranho já que dormira fechada. Lauro se perguntou se não teria sido o enxerido do caseiro, mas lembrou que tinha trancado a porta. O dia ainda estava amanhecendo e pouca luz invadia o quarto. Enrolou-se no lençol e levantou para fechar a janela. Havia muita neblina e fazia muito frio. Ao fechar a grande janela de vidro avistou uma moça, trajava um vestido branco e longo, como de noiva, e embrenhava-se na mata e na neblina. Era uma cena peculiar e se perguntou o que uma mulher fazia àquela hora no meio da neblina e da mata vestida daquele jeito. Lauro não conteve a própria curiosidade e saiu correndo pela casa enrolado no lençol. Desceu as escadas em disparada e destrancou a porta e deu de cara com o vento gélido. Encolheu os ombros e olhou ao redor e não viu nada. Observou melhor e viu algo branco entrando na floresta em frente à casa. Lauro correu ainda enrolado com o lençol e só se desvencilhou dele ao entrar na floresta.
            A neblina estava muito forte, a floresta tinha um quê de sombria. Olhava ao redor para tentar ver alguma coisa. Deu as costas para voltar e ouviu um canto. Era como uma canção de ninar entoada por uma mulher com uma voz agradável. Voltou-se para dentro da floresta novamente e a viu passar. Tinha os cabelos muito negros, a pele muito branca e trajava um vestido de noiva. O canto era hipnotizante e lhe causava uma boa sensação. Sentiu-se atraído por aquela voz, queria segui-la e assim o fez. Apertou o passo em direção à mulher, e quanto mais rápido andava, sentia estar mais distante, como se fosse impossível alcançá-la. Segui-a incansavelmente e percebeu que agora conseguia aproximar-se dela. A mulher caminhava calmamente, sem pressa, parecia estar muito à vontade. Com medo de assustá-la, Lauro aproximou-se devagar e sem perceber pisou em graveto. O canto da mulher cessou de imediato, mas ela não se virou. Ainda na dúvida, Lauro não ousou tocá-la ou falar nada, ficaram em silêncio, ela de costas para ele por alguns segundos. Estava encantado e queria ver o rosto daquela misteriosa mulher que caminhava àquela hora no meio da neblina.
            Hesitante, Lauro tocou-lhe o ombro e lentamente a mulher foi virando. Os olhos de Lauro ansiavam por ver o rosto dela. Ficaram cara a cara. A mulher tinha olhos verdes e profundos. Eram de um verde escuro. Tinham um magnetismo que prendiam o olhar de Lauro. Antes dele proferir qualquer palavra, sentiu uma forte dor na nuca, sentiu seu corpo enfraquecer e viu a mulher sorrir. Lauro ajoelhou-se em frente à mulher, estava confuso e fraco, não tinha forças nem para pedir socorro. A voz não saía, o ar não enchia os seus pulmões e se sentia sufocado. A mulher ajoelhou-se à sua frente e ainda sorria. Ela tocou o seu rosto, tinha a pele gélida, porém macia. Ela acariciou todo o rosto de Lauro como se o conhecesse há muito tempo. Lauro enfraquecia cada vez mais, a sua visão foi ficando embaçada, não sabia se era a neblina ou a falta de ar. Embora estivesse sufocando, não conseguiu deixar de olhar para os olhos daquela mulher. Eram os olhos verdes mais lindos que já vira. Seu corpo foi enfraquecendo cada vez mais, a sua visão se perdia a cada segundo. E de repente tudo ficou branco.  

HOLOCÁUSTICO AMOR (Wilson Macêdo Jr.)





























Segredos ditos são espelhos partidos.
E o meu olhar que se dispersa na manhã,
Dissolve a força que o meu segredo aplaudia.

É abjeto o meu espelho pois é coberto por medo.
Meus incautos gestos prontos me denunciaram.
E na formal manhã descobriste o que me encapelava.

Amor com gosto de soda cáustica,
Desenhos, canções, versos e rima.
Holocausto disfarçado de expectativas.