VISITANTES

O LOBO (Wilson Macêdo Jr.)



Eram quatro patas na pisada.
Eram crateras vivas que ficavam.
Caminhava por ali sorrateiro.
As folhas se desprendiam. Choviam.

Seu olhar claro vidrou o meu.
Era perigo natural. Era graça.
Inerte e visível ficava ali,
E meu corpo não tinha ação.

O vento balançava o pêlo,
Seu olhar desviava por segundos.
E voltavam fulminantes a mim,
Que lívido o apreciava de perto.

A pelagem era cinzenta.
Parecia assim fria e morta,
Parecia veludo estampado
dos anos que ali passou.

Uivou em sinal secreto,
Não era perceptível aos humanos.
Calou-se e deixou pelo ar o eco,
Que encheu a floresta de som.

Era selvagem, de certeza.
Podia ser mais do que isso.
Na verdade era um encontro.
E chispou dali sem ruído.

SANDÁLIAS (Wilson Macêdo Jr.)




Era a sua mania, não tinha jeito. As lojas chiques de calçado eram o seu alvo preferido. Uma excitação tomava o seu corpo, era como uma febre de procedência desconhecida. Os olhos brilhavam, se iluminavam diante de tanta formosura com saltos ou sem, com todas as cores e modelos diversificados. Ia agir como sempre, com discrição e paciência oriental. Vestia-se de uma forma que não levantasse muitas suspeitas, de uma forma elegante para tornar-se invisível ao olhar dos vendedores. Já era experiente, o seu nervosismo não era medo de ser pega, era a excitação de um novo furto. Se alguém soubesse de toda aquela situação, não ia entender qual era utilidade de furtar uma peça de mostruário. Mas para Goretti tudo tinha um sentido, nada daquilo era em vão. Entrou na loja de forma “blasé”, como uma madame, doida para gastar alguns mil reais em sapatos chiques. Prontamente, uma vendedora excessivamente maquiada veio para lhe atender com um sorriso quase artificial. Goretti mal podia conter a sua ansiedade. Deu uma passeada na vitrine, olhou alguns, e a primeira vítima já tinha sido escolhida. Apontou a belíssima sandália para a vendedora que em um segundo correu para buscar no estoque. Não tinha muito tempo, tudo deveria ser feito sem pensar, por impulso, sua palavra preferida. Já tinha uma certa habilidade em agir. Estando as outras vendedoras muito ocupadas com outros clientes, era chegada a hora de entrar em ação. Encostou-se bem na prateleira, a bolsa já estava aberta e com um movimento digno de olimpíadas, dada a rapidez com que agiu, depositou o pé único dentro da bolsa, e comportou-se como se nada tivesse acontecido. Respirou aliviada. Pronto. Um já tinha ido.
Com uma animação além do habitual, a vendedora desceu as escadas. Goretti provou a sandália. Pena que não tinha dinheiro para comprá-la. Mas não diria isso à vendedora de maneira nenhuma e tão pouco diria que estava cara. Pôs as sandálias nos pés, andou um pouco e disse que não tinha ficado bem em seu pé. Mas mostrou a segunda vítima para a vendedora, novamente a sofredora funcionária subiu as escadas. “Só mais essa”, pensava consigo mesma. Usou a mesma equação: aproximação + funcionárias distraídas + rapidez = um pé de sandália furtado. Se atrasasse mais cinco segundos seria pega pela vendedora que já descia esbaforida as escadas. Calçou um pé rapidamente e sem muita demora disse que também não tinha gostado. Disse que voltaria uma outra hora, estava com pressa. A expressão da vendedora era de um sorriso camuflado de ódio. Que sensação maravilhosa ao sair da loja! Estava com seus troféus dentro da bolsa. Entrou no banheiro do shopping e trancou-se em uma cabine para apreciá-las. Sorriu, deu beijos, abraços e as pôs dentro da bolsa novamente.
Já estava tudo pronto em seu minúsculo apartamento de subúrbio. E como morava mal! Mas era única morada que tinha. Vivia só ali, sem marido, sem filhos, sem animais de estimação. Era a sua festa de aniversário, tinha chamado algumas amigas, iriam beber até o dia amanhecer. Os móveis eram muito velhos, mas as suas amigas não ligavam, afinal de contas não moravam melhor que ela. Entrou no quarto e soltou ali pelo meio do chão os dois pés de sandálias desiguais e sem utilidade nenhuma. Não poderia nunca calçar apenas um pé. Aprontou-se com rapidez e não demorou muito tocaram à porta. Era o seu grupo de amigas. Elas bebiam, davam risadas e estavam realmente curtindo a noite. “Tenho uma coisa para mostrar a vocês!”, disse entusiasmada Goretti. “Comprei duas sandálias maravilhosas essa semana! E custaram o olho da cara! Vou usá-las para o Natal e o Ano Novo.” As amigas a acompanharam até o quarto depararam-se com aqueles dois pés de sandália desiguais, sem contar outros que estavam no mesmo estado. “Eu não sei o que acontece! Eu vivo perdendo um dos pés das sandálias! Mas olhem como é linda! Preciso procurar os outros pés!”. Amigas se admiravam com a beleza das sandálias, e se perguntavam como conseguira comprar calçados tão caros.
Tendo a festa acabado, a exibição das sandálias e as amigas ido embora, Goretti correu até o quarto e calçou aquelas jóias que tinham saído de um mostruário. Eram lindas, mas desiguais, uma não tinha nada a ver com a outra. E desfilou pelo apartamento com elas, dançando e sorrindo. Como era doce o sabor da ilusão e da exibição! Estava extasiada. Deitou-se no sofá ao lado de uma garrafa de vinho barato, abraçada às suas preciosas sandálias inúteis e tão importantes.

VERSOS PARA A LUA (Wilson Macêdo Jr.)



Se tu não estivesses tão longe,
poderia tomar-me de sorte,
e tocar-te mesmo fria que fosses.

Do teu pó e do teu chão branco,
formam-se meus sonhos negros,
Minhas quietudes em chama.

Tu nasces e morres em cada noite,
Em cada despetalado verso na rua,
Ficas por aí que admiro-te daqui,

Lua.
Lua.
Lua.

Foges quando na madrugada abro os olhos.
Se chovessem lágrimas, por assim dizer,
seria chuva minha, do que resta da noite.

E quando torna-te eclipse do paradoxo,
Minh'alma desliza pelos cantos atordoada,
E os sonhos vêm buscar o meu despertar.

E nas clareiras que cobrem minha janela,
O teu brilho embriaga as coisas daqui.
Estendo a mão. Nada acontece.

Apenas chuva na rua.
Teu brilho na chuva.
Tua chuva de luz.

A TEZ DO MAR (Wilson Macêdo Jr.)


Sinto o hálito quente da desesperança.
Nas brumas que habitam a verdade,
Corro ao som de meu grito sem liberdade,
E todo segundo despedaça-me como lança.

O que era toque de sutil reciprocidade,
Torna frio o cálice que derrama sangue,
Esparrama os anos perdidos em mangue,
E escapa-me a famigerada claridade.

Soturno como de Saturno os anéis,
Estou envolto à minha própria arte.
Vivo exilado como se aqui fosse Marte.

Agora é tão tarde para dúvidas cruéis,
É melhor precipitar-me de uma vez,
É melhor imergir e tornar-se do mar a tez.

CARTÃO DE NATAL




Posso até ser suspeito para falar, mas não posso deixar de reconhecer a qualidade da Revista Verde & Amarelo. Quando recebi o convite para escrever uma página sobre cinema brasileiro, não pensei duas vezes. O nosso cinema precisa de uma boa dose de incentivo e prestígio para que cresça cada vez mais. A revista com circulação em Portugal traz aos brasileiros, e por que não dizer também aos portugueses, um pedacinho do Brasil. É mais uma forma de estar em contato com o nosso país. Que nesse novo ano que irá se iniciar, tudo que é a essência desse veículo de comunicação torne-se cada vez melhor. Parabéns a Norio Egashira, a Nara Macêdo, e aos demais colegas colaboradores. Um Feliz Natal para todos os leitores da revista e um Feliz Ano Novo!

SONETO DO PESCADOR (Wilson Macêdo Jr.)




Ponho o barco no friorento mar.
Debate-se ele em ansiedade ,
Quer ir além da terrena realidade,
Onde o sol possa firme lhe tocar.

Lugar de gente como eu é aqui.
Onde a desilusão fica pra trás,
A minha morada aqui se faz,
E lembra-me que uma dia parti.

Mas não há solução tão fácil.
Tenho braços a minha espera,
e são braços de toque frágil.

Ficar para sempre quem me dera!
Mas pensando bem, preciso voltar ágil.
Sem afagos terrenos, minha alma se quebra.

FELICIDADE (Wilson Macêdo Jr.)




Felicidade é ver um pássaro
e seu pouso quase rasteiro.
É tocar a terra e sentir a fria
pegada de um bicho forasteiro.

Felicidade é ver sorrir uma criança,
É vê-la andar pela primeira vez,
É ouvi-la falar o que nem entende,
É viver o que ainda não é esperança.

Como enche-me a manhã de sol!
Como é leve navegar em baixa maré!
Ser tocado por uma borboleta no
jardim onde deixei-me padecer!

Felicidade é renascer depois de amar-te.
É distanciar-me das pelejas infinitas,
É confraternizar com tuas angústias,
E dar-te ombro quando te resvalas.

Se fosse pássaro voaria para uma terra,
onde os mitos se encontram e uma luz
explode toda a verdade do mundo vil.
Seria pássaro de vôo alto e ao infinito.

Felicidade minha é a tua.
Felicidade tua? Não sei o que é.
Sou bicho alado e sem garras,
Vou por aí. Olha para o céu! Podes me ver?

NOS CINEMAS (Jornal Tribuna Feirense - 10/12/08)


FATAL
Por Wilson Macêdo Jr.


A diretora Isabel Poixet trata de relacionamento, velhice, traição e inseguranças em um só filme. No papel de um professor universitário, Ben Kingsley esbanja emoção. Quando David Kepesh (Kingsley) se apaixona por sua aluna Consuela (Penélope Cruz), toda a sua antiga segurança sexual vai abaixo. Com um histórico de um casamento que falhou, e seguidos relacionamentos passageiros e sem importância, ele entrega-se à paixão e sente o sabor da insegurança. Torna-se reticente quando recebe o convite de Consuela para conhecer sua família, e chega a duvidar de sua fidelidade no relacionamento pelo fato de se perceber velho, já que mais de trinta anos separam a sua idade de sua aluna. A única coisa que parece fora de sintonia é o relacionamento pai e filho, embora o que os une novamente seja um caso que o filho está tendo extra-conjugal, o que torna o conflito interessante mas mal trabalhado e não soa muito bem. Nota-se a suavidade da diretora que trata de todos esses assuntos com leveza e belíssimos diálogos. E Bem Kingsley dá um show de interpretação e nos passa uma emoção verdadeira.

NOTA: 7,5

Nome: FATAL
Direção: Isabel Poixet
Elenco: Ben Kingsley, Penélope Cruz, Patrícia Clarkson, Michelle Harrison
Gênero: Drama
Duração: 108 min.











NOS CINEMAS (Jornal Tribuna Feirense - 10/12/08)


OS ESTRANHOS
Por Wilson Macêdo Jr.

Hollywood realmente está perdendo a criatividade. Quando não se tem mais história para contar, vale apelar para sustos fáceis e uma trama inexistente. No início o filme dá a impressão que vai correr tudo bem, com cenas que realmente assustam, mas poucos minutos depois, há uma mistura de Sexta-Feira 13 (assassinos mascarados) com Floresta do Mal (família com personagens bizarros). Depois de retornarem de uma festa de casamento, o casal Kristen e James (Liv Tyler e Scott Speedman) resolvem voltar para uma casa de férias. Inexplicavelmente, misteriosos personagens (pai, mãe e filha mascarados), batidas na porta e barulhos que lá para o meio do filme começam a cansar, compõem esse fio de trama que se torna um cansativo jogo de gato e rato. Não é apresentado o motivo da perseguição, a família de assassinos entra como sai, sem quê nem pra quê. Liv Tyler interpreta com a profundidade de uma colher de chá, merecia mais pela atriz que é. Para quem gosta de sustos fáceis e uma história sem pé nem cabeça, pode ser um bom programa para domingo à noite. Não é um filme para ser lembrado e os comentários não passarão da porta do cinema.

NOTA: 4

Nome: OS ESTRANHOS
Direção: Bryan Bertino
Elenco: Liv Tyler, Scott Speedman, Sterling Beaumon, Glen Howerton, Laura Margolis, Gemma Ward, Kip Weeks
Gênero: Terror
Duração: 90 min.

NOS CINEMAS (Jornal Tribuna Feirense - 10/12/08)


ROMANCE
Por Wilson Macêdo Jr.

Em seus trabalhos como diretor na televisão (Rede Globo), Guel Arraes mostra que tem uma boa mão para comédia, a exemplo de O Auto da Compadecida, TV Pirata e Armação Ilimitada. Sem falar em seus trabalhos como produtor e roteirista no mesmo veículo de comunicação. Mas na hora de ir para a telona com um romance propriamente dito, algo ficou faltando. Não que Romance não seja um bom filme, mas é apenas politicamente correto. O espectador não irá dizer que o filme não é digno do diretor em questão, mas por levar o nome de Arraes, fica esperando um algo mais. Quando o diretor e ator de teatro (Wagner Moura) se apaixona pela bela atriz de grande sucesso na televisão (Letícia Sabatella), uma batalha metafórica sobre a guerra entre a televisão e o teatro abre espaço para discussões. O elenco conta com o grande astro do momento Wagner Moura, a belíssima (como sempre) Letícia Sabatella, o hilário José Wilker dentre outros grandes nomes, e produção de Paula Lavigne. Vale à pena assistir Romance e ficar esperando por mais um trabalho de Guel Arraes, que sempre é garantia de bom entretenimento seja na telinha ou na telona.

NOTA: 7,5

Nome: ROMANCE
Elenco: Wagner Moura, Letícia Sabatella, Andréia Beltrão, Vladimir Brichta, José Wilker, Marco Nanini
Direção: Guel Arraes
Gênero: Romance
Duração: 100 min.

MOÇA NA NEBLINA (Wilson Macêdo Jr.)



Eu vi a moça andando.
E o seu andar era mais
que passeio melancólico.
Era a arte de desviar-se
dos dilemas em solilóquio.

E a aura que lhe desvendava
as coisas secretas, gritava por
socorro. Com cores fortes e
vivas em tom de amor. Pé ante
pé, segue sem esquecer-se do chão.

As colinas que lhe faziam fundo,
traziam ares de rispidez, e
estampavam o seu fino rosto
já cansado de saltos convidativos
entre o lembrar e o querer apagar.

A moça que eu vi caminhando,
Corria os olhos pelo infinito.
O que miravam era fiel segredo
seguro em sua mente desligada.
Ela não percebia por onde andava.

Os pés descalços e a alma desnuda,
cobriam o ar de naturalidade e vida.
Era ela a moça do passar diário,
Dos enigmas mitológicos nos tempos
dos desafios modernos e pálidos.

Flutuava no frio que lhe tomava
a pálida face. Um anjo não teria
tamanha beleza nem em milhões
de anos. Os braços levitavam e
pareciam tocar a densa neblina cortante.

E as folhas que lhe tocavam as
solas dos pés, choravam em ruído
pela sua dor, compadeciam-se e
outras tantas caíam do topo seco
ainda firme e coberto de gelo.

O mistério habitava aquele semblante.
Os espíritos da mata fechada
reverenciavam o seu passar em forma
de cânticos de pássaros em alvorada,
cânticos exclusivos de compaixão.

Então ouvi a moça que agora cantarolava,
pela sua boca deslizavam notas puras e
doces como de um grupo de sereias do
inevitável inverno. Assaltou-me o encanto,
e havia um quê de lamuriento cântico.

E os vestígios que deixava na trilha,
O próximo vento cuidaria de apagar.
Seu perfume, o eco de sua voz em dor,
Os sutis barulhos ao caminhar,
Tudo seria dali levado e esquecido.

Eu vi naquela manhã a moça caminhar.
E a cada segundo que passa no relógio meu,
Pergunto-me em encantamento, para
onde caminhava aquela calmaria em forma
de pensante ventania? Para onde ela ia?

ESCALA (Wilson Macêdo Jr.)




Dó: Pena. Não preciso.
Ré: Há algo atrás.
Mi: Nada a dizer.
Fá: Teu apelido.
Sol: Apenas na praia.
Lá: Onde adormeço.
Si: A última de todas.

NEBLINA (Wilson Macêdo Jr.)




Um cão passeia sem olhar.
Na obscuridade da neblina,
Os espíritos que guardam o dia,
Adormecem ao som do trovão.

Um homem perdido caminha.
Na ilusão de suas contradições,
Escorrem pelas valas urbanas
o que lhe resta, o que lhe contamina.

Um gato apressa o seu passo.
Nas primeira gotas de chuva,
Suas patas inundam-se e calam-se.
O seu ruído não é mais de felino.

Não caminham lado a lado.
Um em cada ponto da rua.
E não dissipa-se a neblina,
Que atormenta a fria manhã.