VISITANTES

SANDÁLIAS (Wilson Macêdo Jr.)




Era a sua mania, não tinha jeito. As lojas chiques de calçado eram o seu alvo preferido. Uma excitação tomava o seu corpo, era como uma febre de procedência desconhecida. Os olhos brilhavam, se iluminavam diante de tanta formosura com saltos ou sem, com todas as cores e modelos diversificados. Ia agir como sempre, com discrição e paciência oriental. Vestia-se de uma forma que não levantasse muitas suspeitas, de uma forma elegante para tornar-se invisível ao olhar dos vendedores. Já era experiente, o seu nervosismo não era medo de ser pega, era a excitação de um novo furto. Se alguém soubesse de toda aquela situação, não ia entender qual era utilidade de furtar uma peça de mostruário. Mas para Goretti tudo tinha um sentido, nada daquilo era em vão. Entrou na loja de forma “blasé”, como uma madame, doida para gastar alguns mil reais em sapatos chiques. Prontamente, uma vendedora excessivamente maquiada veio para lhe atender com um sorriso quase artificial. Goretti mal podia conter a sua ansiedade. Deu uma passeada na vitrine, olhou alguns, e a primeira vítima já tinha sido escolhida. Apontou a belíssima sandália para a vendedora que em um segundo correu para buscar no estoque. Não tinha muito tempo, tudo deveria ser feito sem pensar, por impulso, sua palavra preferida. Já tinha uma certa habilidade em agir. Estando as outras vendedoras muito ocupadas com outros clientes, era chegada a hora de entrar em ação. Encostou-se bem na prateleira, a bolsa já estava aberta e com um movimento digno de olimpíadas, dada a rapidez com que agiu, depositou o pé único dentro da bolsa, e comportou-se como se nada tivesse acontecido. Respirou aliviada. Pronto. Um já tinha ido.
Com uma animação além do habitual, a vendedora desceu as escadas. Goretti provou a sandália. Pena que não tinha dinheiro para comprá-la. Mas não diria isso à vendedora de maneira nenhuma e tão pouco diria que estava cara. Pôs as sandálias nos pés, andou um pouco e disse que não tinha ficado bem em seu pé. Mas mostrou a segunda vítima para a vendedora, novamente a sofredora funcionária subiu as escadas. “Só mais essa”, pensava consigo mesma. Usou a mesma equação: aproximação + funcionárias distraídas + rapidez = um pé de sandália furtado. Se atrasasse mais cinco segundos seria pega pela vendedora que já descia esbaforida as escadas. Calçou um pé rapidamente e sem muita demora disse que também não tinha gostado. Disse que voltaria uma outra hora, estava com pressa. A expressão da vendedora era de um sorriso camuflado de ódio. Que sensação maravilhosa ao sair da loja! Estava com seus troféus dentro da bolsa. Entrou no banheiro do shopping e trancou-se em uma cabine para apreciá-las. Sorriu, deu beijos, abraços e as pôs dentro da bolsa novamente.
Já estava tudo pronto em seu minúsculo apartamento de subúrbio. E como morava mal! Mas era única morada que tinha. Vivia só ali, sem marido, sem filhos, sem animais de estimação. Era a sua festa de aniversário, tinha chamado algumas amigas, iriam beber até o dia amanhecer. Os móveis eram muito velhos, mas as suas amigas não ligavam, afinal de contas não moravam melhor que ela. Entrou no quarto e soltou ali pelo meio do chão os dois pés de sandálias desiguais e sem utilidade nenhuma. Não poderia nunca calçar apenas um pé. Aprontou-se com rapidez e não demorou muito tocaram à porta. Era o seu grupo de amigas. Elas bebiam, davam risadas e estavam realmente curtindo a noite. “Tenho uma coisa para mostrar a vocês!”, disse entusiasmada Goretti. “Comprei duas sandálias maravilhosas essa semana! E custaram o olho da cara! Vou usá-las para o Natal e o Ano Novo.” As amigas a acompanharam até o quarto depararam-se com aqueles dois pés de sandália desiguais, sem contar outros que estavam no mesmo estado. “Eu não sei o que acontece! Eu vivo perdendo um dos pés das sandálias! Mas olhem como é linda! Preciso procurar os outros pés!”. Amigas se admiravam com a beleza das sandálias, e se perguntavam como conseguira comprar calçados tão caros.
Tendo a festa acabado, a exibição das sandálias e as amigas ido embora, Goretti correu até o quarto e calçou aquelas jóias que tinham saído de um mostruário. Eram lindas, mas desiguais, uma não tinha nada a ver com a outra. E desfilou pelo apartamento com elas, dançando e sorrindo. Como era doce o sabor da ilusão e da exibição! Estava extasiada. Deitou-se no sofá ao lado de uma garrafa de vinho barato, abraçada às suas preciosas sandálias inúteis e tão importantes.

1 comentários:

Muito interessante ver como voce foi capaz de ingressar num imaginário feminino com tanta propriedade, criando este texto rico em detalhes.

Parabéns!