VISITANTES

HELENA E EU (Wilson Macêdo Jr.)



















Navegamos eu e Helena nesse barco rumo ao norte.
Navegamos cheios de esperança, ardor e paixão.
Eu e Helena, Helena eu e a alma da tarde nos perdemos,
E nos encontramos num só abraço enquanto o sol parte.

Durante a noite contamos segredos que naufragariam
Com nossos corpos. Mas agora somos o próprio segredo.
Somos Helena e eu um protesto contra o vazio da humanidade,
Somos uma bandeira vermelha navegando pelo amor, pelo esmo.

De manhã tomamos das nossas mãos e nos juramos união.
Será que somos desse carrasco mundo Helena e eu?
O sol responde com ares de comediante que ri de si mesmo.
Seremos eu e Helena uma piada de mau gosto e de salão?

Meu corpo é puro salitre, felicidade e uma explosão de cores.
Esse mar é tão grande quanto o futuro que nos espera adiante.
Somos mais que marinheiros trêmulos de primeira viagem,
Somos um sinal que tudo vai bem, que o mundo ainda gira.

Helena e eu nos espreguiçamos antes do trabalhoso almoço.
Seríamos capazes de viver apenas de som e tépida luz.
Navegamos com o olhar no horizonte tão perto e distante,
Ansiamos a chegada a uma ilha onde habitaremos até o fim.

A vela do barco balança e Helena se encanta com isso tudo.
Paro em seu sorriso como o mundo deveria parar o ver nascer uma flor.
Canta Helena uma canção das sereias ao passo que seguimos a todo vapor.
E o mar ainda nos é doce, calmo e desnudo.

Navegamos eu e essa criatura que brinca com a brisa.
E avistamos terra, avistamos uma imensidão verde.
E ao tocarmos os pés na areia ela e eu sorrimos.
Sorrimos Helena, eu e a nossa nova e tão esperada vida.

MULTIDÃO (Wilson Macêdo Jr.)



















Grande é o angustiante deserto das multidões.
Uníssonas são as vozes que definham minha sanidade,
Truculentos e suaves são os passos a pisarem no nó
que cerra minha garganta, e inflama meu respirar.

Há tanta gente, tanta mente a pensar nesse vão,
Há tantos gritos sangrando o meu ensurdecer,


Em lancinante medo e suor, chego a me esconder,
Chego a ouvir o disforme bater do meu coração.


CLARIVIDÊNCIA (Wilson Macêdo Jr.)
























Ah... Essa tal clarividência que me torna tão cruel,
Que me esculpe em argila podre já secular e morta,
Não faz  hoje de mim alguém que quis ser outrora.

Essa minha clarividência que mais parece idiotice,
Transformou-me em ruínas, um casarão empoeirado,
Que dia-a-dia desfaz-se até virar pó. Resto poetizado.

Maldita é minha sóbria visão das coisas, que tão docemente
Embriagada em rigor, tradição e fantasia rebelde,
Some nesse mundo onde os sonhos são parte do inconsciente.

Essa estridente clarividência que torna a manhã mais alva,
Leva a baixo as minhas intenções de voar rumo à brisa,
De olhar e reconhecer-me num rio e em sua correnteza calma.

Essa sobriedade disfarçada de retidão, cala-me a boca e o verso,
Cospe em minha cara e me faz lembrar quem realmente sou.
Esse ser maldito, malfadado, ultrapassado, decrépito.  

O PALHAÇO NA JAULA DOS LEÕES (Wilson Macêdo Jr.)



Então é isso. Sou eu o palhaço sem graça,
Sou eu quem deixa a multidão em silêncio.
Sem nada entender, calam-se, sérios.           
 Amontoado de seres perplexos.

Sou eu o palhaço que desce a rua,
Que colhe uma flor pura e rara,                                                                               
Sou eu a escolha mais óbvia,
Sou eu esperança já desacreditada.

Sou eu o palhaço que dorme na chuva,
Que ri para o abismo e descobre-se apaixonado.
Sou eu o único traço de mim e de minhas verdades,
Sou quem sou sem querer saber onde estou.

Então é isso. Ninguém ri do que falo.
Não ouço aplausos, congratulações, confidências,
Nem simples “por favor” ou “obrigado”.
Sou eu um triste e natimorto palhaço.

E tomado de cólera inexplicável,
Atiro-me à jaula dos leões deste circo afamado.
E enquanto sou vorazmente deglutido,
Cândido descubro que sou eu a tristeza disfarçada de riso.

ETERNIDADE INGLÓRIA (Wilson Macêdo Jr.)

Ainda que eu gostasse de mim,
Ainda que eu suportasse minhas quedas,
As circunstâncias do áspero ato de amar
e as árias das vadias palavras inquietas,
Não justificariam o purgatório do estupor.

Mesmo que eu sobrevivesse um século,
Ou até mesmo infindos cem anos e meio,
Seria eu um vadio morto-vivo, suspeito,
E culpado pelas desgraças causadas pela
humanidade, que nunca me foi aceitável.

Ainda que eu chorasse rubro como os santos,
Ainda que me esfacelassem numa cruz tal a sacra história,
O olhar da pérfida multidão seria pronto despistado
A outro crucificado mais dolente. Morreria eu abandonado.
Sou eu o próprio carrasco da minha eternidade inglória.