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O ADMIRADOR (Wilson Macêdo)













O carteiro tocou a campainha três vezes. Como era de costume, a mulher foi atender à porta às pressas, e como de hábito agradeceu e fechou a porta rapidamente. Pulou no sofá como uma adolescente que recebe uma carta de amor. Não era adolescente, mas com certeza o que tinha em mãos era mais uma carta de seu admirador secreto. O riso no rosto era incontrolável, a ansiedade para ler aquelas linhas também. Já era de praxe nas terças-feiras, seu dia de folga no trabalho, receber os mimos do seu admirador. Ao mesmo tempo em que se deliciava com aquela situação, também ficava um pouco assustada, pois, deveria ser alguém que conhecesse muito bem a sua rotina de trabalho. E perguntava a si mesma se seria possível ser alguém do trabalho, nada poderia fazer mais sentido. Percebia que o seu vizinho de cubículo naquela gigantesca empresa de telemarketing agia de modo estranho, buscando sempre desculpas para presenteá-la com pequenos mimos. Daí vinha logo em sua cabeça a imagem de uma pessoa mais fechada, o seu colega de trabalho embora lhe levantasse algumas suspeitas não parecia ser do tipo que admirava secretamente uma mulher. Tirou as idéias da cabeça e se concentrou na carta, não era muito extensa, era concisa, mas forte o suficiente para deixá-la tocada.
            Na manhã seguinte realizou toda a sua rotina matinal e partiu para o trabalho, ou melhor, partiu à caça do tal admirador, e rezou para que fosse de lá, e talvez tenha até rezado para ser o seu galante vizinho de cubículo. Agiu de maneira natural e pensou em uma forma de descobrir e pensou que pela letra não seria possível, o seu admirador era muito astuto e não escrevia as cartas de próprio punho. Mas agora que tinha a hipótese de ser alguém do escritório, resolveu prestar mais atenção ao comportamento de todos. Entre uma ligação e outra, lembrou que os admiradores geralmente gostam de presenciar as entregas, então pensou que talvez não fosse alguém dali, mas enfim, não conhecia tudo sobre amores secretos e platônicos e continuou em sua aposta. Na pausa para o cafezinho acompanhou o seu vizinho de cubículo, faria algumas perguntas discretamente, para não assustá-lo.
            - Aconteceu alguma coisa?
            - Mais ou menos. Eu meio que estou sendo admirada secretamente. – nenhuma reação estranha.
            - Ora, ora... e você desconfia de alguém?
Pensou por dois segundos.
            - Não – o “não” foi quase que automático – você desconfia de alguém? – achou que tinha ido longe demais com essa pergunta.
            - Não – esse “não” saiu mais reflexivo – mas poderia ser uma porrada de caras.
            - Bom saber. – “uma porrada de caras”. Achou que essa frase fora do tipo: “Quem não se apaixonaria por você?”, não sabia se ficava lisonjeada ou preocupada, já que poderia ser “uma porrada de caras”, sua busca seria mais difícil. Pensou que seria mais fácil se ele dissesse “sim, sou eu”. Mas o que veio a seguir depois da infame frase “mas poderia ser uma porrada de caras”, chamou a sua atenção. Um olhar. Três segundos. Disse muita coisa, ela já esperava pela revelação.
            - Nem olhe para mim.
            E ele estendeu a mão direita. Indagou-se como nunca tinha reparado naquela enorme aliança de noivado. Era noivo. Não era ele. E durante o dia sentiu-se decepcionada, como se estivesse procurando algo que sabia que não ia encontrar. Sentiu que talvez fosse hora de jogar fora todas aquelas cartas, esquecer o assunto de uma vez, e pedir ao carteiro que ignorasse aquelas correspondências, não sabia se isso seria possível, mas tentaria assim mesmo.
            Ao chegar em casa, a primeira coisa que fez foi avançar sobre o envelope grande com todas aquelas cartas, e fazer uma grande fogueira dentro de um balde. Jogava uma por uma e assistia aquela cremação de palavras doces e frases feitas. E no ato de queimar, foi percebendo a ausência de selos. Aquelas cartas não possuíam selos, não tinham sido postadas nos correios. E como se seu cérebro trabalhasse feito uma engrenagem, juntou as duas coisas. As cartas não eram postadas, eram entregues pelo carteiro, que sabia toda a sua rotina, sabia que apanharia pessoalmente as correspondências às terças-feiras. Viu que tudo fazia sentido. Decidiu dar um ponto final naquela situação. E passada mais uma semana, cumprira o que prometera a si mesma. Ao soar a campainha, todo seu corpo respondeu de forma segura, seus passos pareciam mais firmes do que nunca, como alguém que caminha por um caminho conhecido. Não hesitou ao abrir a porta, agiu de forma natural. Quando o carteiro lhe entregou a correspondência, pediu que esperasse, fuçou o maço de envelopes, achou a carta do seu admirador e a devolveu.
            - Não sei se é possível, ou se faz parte do seu trabalho, mas por favor, ignore essas cartas.
            Calou-se por segundos o carteiro.
            - Tudo bem.
            O carteiro saiu do prédio e ao bater a porta às suas costas, ouviu o assovio já conhecido. O homem se aproximou. Parecia ansioso.
            - Como ela agiu? – perguntou o homem.
            - Pediu que eu ignorasse suas cartas.
            O homem pareceu decepcionado.
            - Escuta o que eu digo. Você trabalha ao lado dela o dia todo e todo dia. Talvez se ela soubesse que é você...
            - É melhor esquecer essa história meu amigo.
            Despediram-se. E ao olhar para cima do prédio, em direção à janela do apartamento de Alice, o que Walter viu foi um sorriso de quem assistira toda a cena. Tinham sido pegos em flagrante: O carteiro e o admirador.

BORDEL DE PALAVRAS (Wilson Macêdo)



Elas se abrem como botões de rosa,
Transpiram na manhã e exalam um odor fresco,
Tão frenético quanto o sol.
Estão no bolso, na lixeira, no papel,
Incendeiam-se, ardem-se e se desmancham.

Degusto-as todas e sei seus sabores.
Levo-as pra cama, pro carro, qualquer canto
onde possa eu desfrutar seus olores.
Não são flores, são negros vestígios
Dos meus prosaicos versos de outrora.

Uso-as ao meu favor e quase as maltrato,
Sempre percebo que elas se arrastam,
Imploram por mim e prontas me esperam.
Não há muito o que fazer, entrego-me a elas todas,
E nunca espero para ver o nascer do sol.

Mas quando se põem a fugir de mim,
Sinto que o vício é mais que ácido,
Que o leite vertido por elas é sulfúrico,
E sorvo o seu leite enquanto me enveneno.
E lembro-me que o inferno cheira a enxofre.

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A MOÇA E A BAILARINA (Wilson Macêdo)






Entre mim e ela há o meio-dia.
Há o medo fulgurante, fulminante,
Há dúvida, cruz, espada e esplendor.
De mim para ela há um negro clamor.

Entre mim e ela há um vago espaço de dor.
Há um silêncio que me ensurdece,
Uma seta que aponta para o tépido mar,
Onde uma onda se quebra e reflete seu rosto.

Entre meu sonho e os dela não há nada.
Em alva névoa me exilam
num mar de afogos e suspiros,
Num acordar sem acordo vital.

Mas entre mim e ela ainda há o meio-dia.
Há um recado que espatifou-se no vento,
Há mil gracejos despojados no tempo,
Não há nada do que pensei que haveria.

Mas se o que houvesse entre mim e ela
fosse reciprocidade assim evidente,
Nem o pesar de mil correntes
Fariam de mim um romanceiro da morte.

Mas disparatados são meus gestos.
Um palhaço de máscara disforme
é o que vejo no torpe espelho,
Enquanto a bailarina dança leve.

E ao som inebriante da caixinha,
A dança daquela imortal bailarina
Remete-me aos gestos da moça graciosa.
Então fecho a tampa. É o fim da vida.