VISITANTES

O METRÔ

Wilson Macêdo Jr.



Quando o barulho já se tornava insuportável, aquele falar frenético de pessoas desconhecidas tornou-se uma tortura. Aquele trem do metrô materializou-se em inferno, com vários demônios a conversar conversas de fim de tarde. Mariano era um anti-social convicto e não anônimo. Não tinha problemas em abrir aos quatro ventos quem era. Simplesmente não gostava de pessoas, e quando estavam juntas, lhe agradavam menos ainda. “Toda massa é burra”, pensava ele. Será que estava tão errado assim? E que conversas eram aquelas? Filhos, mães, amigos, casamento, batizados. Quanta futilidade! Em uma vida de solidão, não cabiam intimidades com qualquer tipo de ser vivo. Nem um mísero râmster merecia a sua atenção.
Tinha sido um dia difícil, com mais problemas que o usual. Tantas coisas tinham fugido de sua rotina naquele dia, que se sentia desnorteado, como uma criança que perde a mãe em pleno centro da cidade. E no centro de tudo, estavam as suas manias diárias, suas “coisinhas” insignificantes. Mas não para Mariano, essas “coisinhas” eram a sua vida. Era o expert em transtorno obsessivo compulsivo, e tinha uma meia dúzia deles. Todas as suas coisas tinham que ficar em posições geométricas, ou perpendiculares, ou ridiculamente alinhadas. Não tinha quem o repreendesse, ninguém para mandá-lo procurar ajuda médica, e não sentia falta de nada disso. Era feliz ou talvez conformado com os seus problemas. Esse trem que não chegava logo em sua estação! Achou que ia enlouquecer. Aqueles balbuciares vazios e sem sentido! Não demorou muito e entrou no mesmo vagão, uma figura no mínimo pitoresca. Vestia-se como um hippie, um tipo clássico, com óculos redondos “a la” Johnn Lennon. Levava nas costas um violão com uma capa precária. Ah meu Deus! Tomara que ele não puxasse aquele instrumento e começasse a fazer uma exibição pública a troco de moedas. Sempre sentia-se constrangido com aquele tipo de situação. Parecia que o hippie tinha lido os seus pensamentos, que faria aquilo só para lhe contrariar. Tinha mania de achar que tudo era em função de si. O hippie começou a cantar. “Não surte Mariano! É apenas um hippie cantador! Não surte!”, ouviu uma voz em sua cabeça. Não iria surtar. Iria no mínimo ignorar. Algumas pessoas prestavam atenção, outras pareciam gostar e outras simplesmente permaneciam com suas leituras.
Aquelas três músicas pareciam que não iam acabar nunca. E quando ao final o hippie lhe estendeu a mão, disse com veemência mas quase inaudível, “Sua música não merece uma moeda minha”. O hippie ficou sem ação com a grosseria. Limitou-se a estender a mão ao próximo passageiro. Tinha chegado enfim a estação em que iria descer. Saiu apressado como se as portas do inferno tivessem sido abertas. Muitas outras pessoas saíram também. Estava livre. Suspirou, sentiu um mão tocar o seu ombro. Era o hippie. Como era insistente! “Minha música não vale uma moeda sua?”. Mariano deu as costas e continuou. O hippie o puxou pelos braços. Sentiu no lado esquerdo do rosto um peso. Tinha sido golpeado em cheio pelo hippie. Conseguiu soltar um grito abafado enquanto era estrangulado. Um homem que subia as escadas, ouviu o grito e vendo a situação, chamou um grupo de amigos com um assovio. Não demorou mais que dez segundos para uma multidão se aglomerar em torno do hippie e tirá-lo de cima de Mariano. Alguns batiam, outros chamavam a polícia, outros xingavam, e outros vinham ao socorro de Mariano, que naquele instante estava arroxeado. Tossiu forte e tomou o fôlego. E quando se deu conta, a massa, aquela massa que tanto lhe repugnava, tinha sido a sua salvação. “Que verme você é hein Mariano!”. Foi só o que conseguiu pensar. A tal massa que era burra, talvez ainda fosse burra, mas tinha sido providencial. E pensou, mudou os seus conceitos a cerca daquilo tudo. Não poderia continuar pensando daquela forma. Às vezes, era preciso mudar! E falou para si mesmo que nunca mais ia desafiar um hippie! Que iria andar sempre com moedinhas nos bolsos para quando aparecessem cantando aquelas músicas chatas. Era isso. Não iria mais desafiar um hippie. Afinal, não queria mais precisar daquela “massa”.

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