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A MARÉ

Wilson Macêdo Jr.

Os seus olhos abriram devagar e a primeira coisa que viram foram as nuvens correndo pelo céu. Os seus ouvidos captaram o barulho do mar. Era o roncar característico das ondas em choque com a areia. Seu corpo estava cansado, parecia que fora açoitado por horas a fio. Tudo lhe doía, da cabeça ao menor dedo dos pés. Respirava normalmente, como qualquer ser vivo. Estava todo sujo de areia, algas e mais algumas coisas marinhas não identificadas. Parecia que algo lhe fugia da mente, não sabia bem o que fazia ali, estava desnorteado. Permaneceu deitado à procura de respostas e no próximo segundo o que recebeu fora uma carinhosa lambida de seu cão. Uma recepção digna dos bêbados. Será que estava com amnésia alcoólica? Era bem possível. Mas nenhuma garrafa estava próxima a ele. Sentou-se e alisou o seu fiel amigo, que parecia mais feliz que o de costume. O rabo parecia uma hélice de helicóptero. O animal não parava de cheirá-lo e lambê-lo. “O que estou fazendo aqui?”, perguntou ao cão e depois sorriu com a própria pergunta. Um cão não poderia respondê-lo. “Tá bom, já chega”, recriminou-o. E sorriu novamente com aquela situação. Retirou as algas do corpo, limpou um pouco a areia, mas sem muito sucesso. Continuou olhando fixo para o mar na esperança de receber uma resposta. Sua cabeça agora doía. Não tinha forças para levantar dali.
Deitou-se novamente, com o seu fiel cão do lado, como um guarda. Sentiu alguma coisa no bolso. Seria possível uma alga ter entrado ali? Afinal de contas o que fazia ali? Pôs a mão no bolso direito da calça que estava encharcada, o que significava que não havia muito tempo que estava ali. Sentiu que no bolso tinha um papel grosso, como de fotografia. E ainda deitado o puxou e para seu espanto deparou-se com a fotografia de Lílian, bela e fotogênica como sempre. Sorriu por alguns segundos e logo depois foi invadido por um lampejo, uma lembrança, e não mais sorriu. Sua feição tornou-se triste. Lembrou-se de tudo. Meu Deus! Ainda estava vivo! Como era possível? Nunca tinha ouvido falar numa situação parecida. E quando seu coração bateu ligeiramente, lembrou-se que Lílian o havia deixado, que não havia mais nada entre eles, mais nada. Lembrou que a essa hora, deveria fazer parte do mar, do fundo do oceano, até o seu corpo boiar sem vida. Mas como era possível? Será que nem acabar com a própria vida conseguia? Será que era tão incompetente assim? A dor tornou-se insuportável, tinha vergonha de si mesmo e do seu cão. Então era isso, Mambo estava feliz por ter o seu dono de volta. Mas o que iria fazer sem Lílian? Pelo menos de sua tentativa frustrada de suicídio só tinha como testemunha o seu cão e o próprio mar, que não tinha colaborado nem um pouco.
Despiu-se de toda rebeldia, encarou a situação. Ainda não sabia bem como tinha sido devolvido pelo mar, mas o importante é que estava ali. Para o diabo com Lílian, com o seu jeito perfeito de ser. Não queria sentir-se mais amargurado, solitário, sem amor. Era capaz de Lílian reagir com menos entusiasmo pela sua volta, se soubesse o que aconteceu, do que seu cão Mambo. Talvez nem ficasse feliz, talvez desejasse que estivesse morto de fato. Levantou-se. Não sabia se quem o tinha trazido fora Netuno, Iemanjá ou até uma sereia. Sabia que não ia tentar de novo aquela loucura. Tinha coisas mais importantes para fazer. Agora, tinha que cuidar de Mambo, seu cão, quem lhe amava de verdade. E ao dar os primeiros passos de volta para a sua casa à beira do mar, Mambo andava ao seu lado, dava voltas em torno de seu corpo, estava feliz, pois era amado pelo seu cão, e era o que bastava.

1 comentários:

Cadê os créditos? Brincadeira! Linkei teu blog ao meu, ok? Abraço.