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O CÃO DA MADRUGADA (Wilson Macêdo Jr.)




Um cão correu e seu rastro iluminou a madrugada.
Não sei se era cão vadio ou de pura raça.

O mesmo cão me olhou e parecia estar atrapalhado.
Não ousei perguntar se tinha dono ou se era alforriado.

Ao primeiro passo dado em sua direção, moveu-se pra trás.
Não insisti em manter contato, preferi contemplá-lo mais.

Estiquei minha mão no impulso de levemente tocá-lo.
O cão mostrou os dentes e postou-se ligeiramente desconfiado.

Senti no seu o olhar que tínhamos algo em comum então.
Éramos dois espectros presos na madrugada e soltos na solidão.

Finquei um joelho no chão para ficar à sua altura.
O cão deu um passo atrás e na sombra escondeu sua figura.

Um assovio me pareceu não mais que um ato prudente.
Não sei o que o cão sentiu, mas aproximou-se ternamente.

Mantinha o seu olhar fixo no temeroso olhar meu.
Cautelosamente minha mão pelo seu pêlo correu.

O cão deitou-se e agora parecia menos ameaçador.
Mesmo na madrugada fria minha mão compartilhou o calor.

Sorri e ficamos em uníssono naquele eterno minuto.
Meu toque para aquele cão não se caracterizava mais insulto.

Levantei-me, olhei o cão pela última vez, e na madrugada parti.
Decidi não olhar pra trás, e assim sem pensar apenas segui.

Ao meu lado o animal balançava o rabo e seguia em sua passada.
Éramos dois. Eu e o cão, perdidos e sós na fria madrugada.

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